terça-feira, 18 de novembro de 2014

A arte de (o)mentir em toda a sela

Os números não mentem.

Não, não mentem. Quem mente mesmo, são os artífices que agridem números e as estatísticas até que eles, os números, digam o que eles querem que eles digam.

Poderia utilizar de algum eufemismo e falar em omissão em vez de mentira, mas considerando a «arte» da omissão e os resultados obtidos, só posso mesmo falar de mentira.

Um jornal, cujos mentores apregoam como uma referência para as questões económicas, titula hoje um artigo assim: Salários da Função Pública cresceram, em média 10%, afirmando que tal conclusão se extrai de um estudo publicado pela Síntese Estatística do Emprego Público.

No corpo da notícia, refere depois, ser de 9,9% esse crescimento. Caramba, aceite-se o arredondamento.

Este fenómeno, segundo eles, ter-se-ia dado entre abril e maio. Mesmo as datas precisam de «precisão».

E referem também, não dando a esse facto a interpretação devida, que tais números resultam da correção a que o Governo foi obrigado por força de uma decisão do Tribunal Constitucional.

Por isso, os salários não aumentaram, foram sim repostos, os valores que tinham. E como sabemos, se quisermos ser corretos, nem sequer a reposição foi plenamente feita, porque entre Janeiro e Maio foram efetuados cortes, cujos montantes não foram repostos.

No final do ano, quando se apura o rendimento, os trabalhadores da Função Pública, facilmente (duramente) constarão os números. Os seus rendimentos serão inferiores aos que tiveram no ano anterior.

Também poderiam ter referido, que para alguns, os cortes se mantêm e que são de 3,5%.

Também poderiam ter referido o aumento dos descontos para a ADSE que diminui os rendimentos.

Podiam, mas não querem.

Omitir assim, é mentir.

Pois, como se aproxima o Natal e com profundo espirito natalício, desejemos-lhe iguais aumentos para os seus rendimentos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Diz -me do que falas

Cruzando o Tejo, percorrendo a ponte que une as margens deste rio que ali toma o nome de mar, dou por mim a pensar que, igual distancia, mais coisa menos coisa, separa outras margens.

Poucos quilómetros para sul, Africa e Europa, estão ali, quase juntas. Mas na amplitude do quase, reside a dimensão da desgraça.

Aquelas margens, não são para transpor. Pelo menos num sentido, não podem ser transpostas.

O mar, esse sim livre, que tanto afaga uma como a outra margem, engole barcaças e as vidas dos que querem procurar, aqui deste lado, um pouco menos de miséria.

Os deste lado, os que podem cruzar as margens, vão para o outro, como pássaros de rapina empoleirando-se em rochedos, chamando suas a cidades dos outros e construindo muros em terras alheias.

E destes muros ninguém fala. Quase ninguém fala.

São atuais. São de arame farpado, de ferro e de fogo. E por causa deles todos os dias morrem PESSOAS.

Por aqui gostam de falar de outros muros…

E não os choca saber que a uns, se barra o caminho com muros, e a outros, os cobrem de mordomias, tendo por base que estes últimos, têm chorudas contas bancárias e os outros, as contas que têm, são do número de dias em que não conseguem dar de comer aos filhos.

E tantos são os que, por aqui, que só falam desses outros muros passados, vão ao domingo rezar e ajoelhar.

E nem nas preces incluem os outros. Os que morrem diariamente por causa de muros que existem, no presente.

Há dias, vimos imagens heroicas de uma criança a salvar uma irmã, fugindo sob fogo cerrado.

Algures na Síria. Os bárbaros, os que disparavam sobre as crianças – eram – obviamente – soldados de Hassan.

Ontem, o realizador do filme, disse que o mesmo foi rodado, algures por aqui, nesta europazinha de bons costumes. As crianças e os soldados de Hassan eram atores.

Duas dúvidas, pouco consistentes, me assaltam: a primeira, consiste em procurar saber o n.º da sequela – quantos filmes destes ou semelhantes foram já produzidos?

A segunda, em procurar saber quantas vezes vão ser transmitidas, as declarações – honestas – do realizador do filme?

Estas não têm «valor informativo» dirão os patrões dos «órgãos de comunicação social» que se deveriam mais apropriadamente designar por «boletins de propaganda do capital».

Na pátria lusa foram apanhados uns senhores que vendiam direitos de aqui residir a uns senhores endinheirados.

Esses direitos, foram instituídos por iniciativa de um homem muito crente, um daqueles homens, que reza e ajoelha.

Os homens que os vendiam, também rezam e ajoelham.

Para fazer poeira. Voluntariamente se disponibiliza um ministro.

E pronto. Tudo bons rapazes.

Ato louvável, o do ministro.

Na missa de domingo será apresentado como exemplo.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Uma palavra de gratidão

Por mera rotina e sem o mínimo rasgo de entusiasmo, cumpro o percurso diário de “abrir” os poucos blogues que, sem razão, ainda “abro”.

Ao “meu” tenho dedicado a atenção que a cadência de publicações demonstra, ou seja nenhuma.

Caio por vezes na perfeita idiotice que consiste em “abrir” alguns comentários. Como se não soubesse que ali se alojam frustrações, impotências e ódios.

Mas estas notas vêm a propósito de um “post” colocado hoje no blogue «A cinco tons», um dos que por rotina, costumo consultar.

Fiquei a saber através dele, que morreu ontem, dia 2 de novembro, um homem que se constitui para mim e garantidamente para muitos dos que com ele conviveram, uma referência incontornável.

Com ele, fui incentivado a pensar, quando a preguiça nos quer convencer a fazer o contrário, mais fácil.

Com ele, fui incentivado a fazer da dúvida metódica, um instrumento de trabalho. A tomar consciência de que as «nossas verdades» não são mais do que – quando não são mesmo preconceitos – pequenas aproximações à verdade que se procura.

Nos nossos contactos – ele Professor, eu aluno – cedo registou que o meu posicionamento ideológico – o meu ponto de partida – era o oposto do seu. Ao invés de outros – que nem do nome recordo – não só aceitava – criticamente – essa condição, como fazia questão de a estimular. Recordo um dia quando, perante uma lista de autores e obras que tinha colocado para que os alunos escolhessem, lhe transmiti que escolhia Marx e 18 de Brumário, me ter olhado de frente e me ter perguntado: - Sabe no que se está a meter?!. Perante a resposta, desejou-me bom trabalho.

Recordo ainda, creio, cada palavra – mesmo perante aquela difícil dicção – pronunciada a propósito de mobilidade social, quando ele criticava os arautos que em suma defendiam, que pobre, só pode aspirar a ser pobre e os filhos dos pobres, a seguirem as peugadas dos pais.

Ao princípio, foi com espanto – dada a condição de Padre que fazia questão de assumir – que lhe ouvi palavras críticas sobre algumas «orientações» da Igreja, mas depressa constatei que essa era uma condição que lhe era inerente, o que seria fator de espanto, seria ele não ser assim.

Não chegámos a trocar palavras faladas sobre o Papa Francisco mas trocámos palavras escritas e nestas senti que ele me queria dizer: - Vê, aquilo que eu procurava dizer, diz agora o Papa?!

O Professor, Padre, Augusto da Silva morreu no dia que se segue ao dia da «sua» Universidade.

Dele, vou recordar a condição de Mestre e para que não haja confusões com os títulos académicos: Mestre dos mestres.