sábado, 25 de abril de 2020

25 de Abril
Confinado

Está a ser estranha a festa pá.
Confinados em casa.
Com cantos isolados e desafinados em algumas janelas e as ruas quase sem ninguém.
É preciso que assim seja, dizem-nos.
E acreditamos e não temos alternativa a não acreditar.
A tragédia tem expressões imensas.

Tem outro sabor a liberdade quando se festeja assim. Há o não sei quê de uma sensação estranha, uma certa maneira de lhe dar mais valor.
Sabemos melhor, de forma dura, o valor da sua ausência.

Mesmo que as razões, para este confinamento,sejam as mais bem fundamentadas do mundo.

E é também estranho a sensação que se vai tendo de que existem os que se começam a habituar e até a gostar.
Se saio à rua para comprar pão, apanhar sol, desentorpecer as pernas e as ideias, há sempre um que mostra um olharzinho de repreensão escondido atrás de uma máscara, por detrás de uma cortina
ou através da janela do carro em que se desloca. Ou que denuncia o comerciante que tem seis pessoas na loja quando só devia ter cinco.
E que julga que é sempre o outro que o vai infectar.
E que brada para que todos fiquem em casa.
Como se todos o pudessem fazer...
E quem faria o pão que ele come?

Não voltámos aos bufos, pois não?!

Confinados, porque tem de ser, mas livres.
Os que querem que nos habituemos a não ser livres...que vão àquele sitio.

VIVA A LIBERDADE



terça-feira, 21 de abril de 2020

Noticias

Uma das muitas estações de televisão a que se seguiram as outras (a tal ponto assim é sempre que nem sei porque carga de águas, não há só uma) passava insistentemente (as outra imitaram, obviamente) em nota de roda pé "ULTIMA HORA - Cavaco Silva não vai às comemorações do 25 de Abril...ULTIMA HORA...."
Mas qual é a novidade?
Sim qual?
Sobre o mesmo tema, um articulista vociferava, com mais coisa menos coisa,: «com esta decisão, fica demonstrado que o que se pretende é demonstrar poder. Nós podemos, vocês não", referindo-se à decisão do Parlamento.
Assim do tipo de conclusão enlatada, ou seja, como se o Parlamento estivesse a decidir uma sardinhada ou uma patuscada com amigos».
Como se o ato solene a que se propõe não fosse o ato evocativo (e de afirmação) dos valores da democracia e da liberdade. O ato fundador do país que somos.
E o ato que reafirma não querer voltar ao que fomos.
Mas compreendo. Nestas e em atitudes similares o que se expressa para além do ódio que em alguns é visceral pelos valores de Abril é também o ódio ao Parlamento (aos políticos...).
Se existisse um chefe era tudo mais fácil, não é verdade?
Mas não, não existe chefe.
Existem democracia, liberdade e submissão à vontade popular.
E são estas as questões que fazem cócegas em certas barriguinhas.

Admito que o articulista goste de sardinhada.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Despudor (s) despudorado (s)

Escrevia a cronista que, as exigências de aumentos salariais para a Função Pública ( de 1% em 2021) eram expressão sem pudor e comportamento inaceitável por parte de partidos (alguns) e sindicatos.
Não creio que se tenha interrogado, enquanto dedilhava, por um segundo sequer, sobre o pudor com que fazia tal afirmação.
Se a crise é de finanças públicas, então com todo o pudor, chamam-se os funcionários públicos a suportar os seus custos.
Se a crise é orçamental (regras face ao deficit) de novo são chamados os mesmos.
Se é sanitária (pandemia) idem.
É uma perspectiva discursiva destinada a ter êxito. Principalmente se o espera  (o êxito) de quem odeia o «público» porque ama o lucro privado, de quem não gosta de se interrogar e vê sempre nos outros as culpas, de quem está contra porque está contra, porque a vedeta dele está contra.
Sem pudor, poderia resumir muito facilmente, o universo daqueles onde tal discurso tem êxito, entre ressabiados e estúpidos.
Provavelmente, a cronista, nessa noite, saiu à janela para aplaudir os profissionais de saúde pelo seu importante papel na luta contra a pandemia.
Nada me leva a crer que não tenha incluído, nessa sua homenagem, para além dos médicos, os enfermeiros, auxiliares, técnicos de diagnóstico, tripulantes de ambulância, bombeiros, guardas republicanos, policias.
Creio, que terá passado também por essa sua tão nobre atitude,  a vontade de incluir investigadores (das mais diversas áreas), os homens e as mulheres que asseguram a limpeza (dos hospitais, das vias públicas, dos sanitários), os que fazem as refeições nos hospitais, os que tratam as águas que correm pelas nossas torneiras, que recolhem os lixos, tratam dos esgotos, lavam batas e desinfestam equipamentos e instalações.
Lembrou-se garantidamente de todos...
Todos funcionários públicos.
E com essa lembrança, veio a inspiração para considerar despudorada a justa reivindicação de aumentos salariais que há mais de uma década são negados aos funcionários públicos.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

LOUCURA

Estou farto de loucuras alheias e decidi que se é para tratar de loucuras, trato da minha própria loucura.
É insuportável a cacofonia dos discursos dos especialistas.
Já se conhecia esta propensão para a especialidade dos especialistas em outros assuntos e tempos, veja-se - reveja-se, pelo menos por parte dos que ainda dão uso à memória -os especialistas em economia e finanças que fizeram carreira na hoje denominada crise. Mas agora a profusão e diversidade é maior.
Há especialistas sobre uso ou não uso de máscaras. Sobre distâncias a manter face ao outro. Sobre sabões (azuis, brancos, líquidos) versus gel e percentagens de álcool.
Sobre curvas epidemiológicas (em pico e em planalto). Sobe duração e ondas.
Sobre efeitos na economia (um dos artigos de um estudo de especialistas referia que pode produzir uma recessão de 0,7% a 20% do PIB) - Podia ter concluído, o estudo especialista,  ser a recessão esperada de 1 a 21 de 20 a 40, sei lá...podia).
Pode haver uma segunda onda. Dizem. Pode. E uma terceira, e uma quarta e uma quinta. Pode.
Pode não ser possível termos férias no verão e a necessidade de as adiar para o inverno. Pode. Também podemos ter que as adiar para o ano, ou para o outro. Podemos.
Oitenta por cento da população mundial pode estar ou ter sido contaminada. Pode. Ou até mesmo cem por cento (ou até mais).
Escrevia alguém, no Público de ontem, sobre cidades e sob eloquente título "As cidades mortas". E foi a fartar vilanagem, desde «cidades mortas», a «cidades cemitério», a «cidades após bomba de neutrões».
Admitindo a loucura - estou a falar da minha - então o que nos preocupa? Para quê esta canseira toda dos especialistas em especialidades? para quê a profusão dos «pode»?
Se tudo morreu?!