terça-feira, 31 de agosto de 2010
Higiene oral
Vivemos tempos muito «higiénicos» e tanta «higiene» assusta.
E assusta ainda mais a desfaçatez com que certas afirmações são feitas.
A propósito dos vergonhosos cortes nas prestações sociais, dizia um senhor responsável pela segurança social: «Sabe, antes o 1.º adulto valia o mesmo que o segundo adulto e agora este vale menos que o primeiro». Agora vale menos???, estaria o senhor perturbado e referir-se-ia ao carro que havia comprado há seis meses?
Perante o problema (grave) da obesidade infantil, defendeu um responsável: «deve-se ponderar a retirada destas crianças aos seus pais, pois estes dão provas de comportamento negligente».
E creio que não questionou, em nenhum momento, que uma dessas crianças, sabendo ler e percebendo, poderia estar a folhear o jornal e a ler este título.
Já tinham havido campanhas paranóicas sobre o tabagismo e as encenações mediáticas da segurança alimentar e da intervenção da asae.
Há muitas coisas, que alguns, gostariam de ver higienizadas...
Sobre os «valores» dos cortes das prestações sociais, será que o dito responsável, nos saberá dizer quantos audis novos pode o governo comprar com o que poupou?
Sobre a obesidade infantil, saberá o dito responsável, que a obesidade é também o reflexo das graves carências económicas de milhares de famílias? E porque não defender também o internamento compulsivo dos pais dos pais, os ditos avós e outros, o dono da mercearia, por exemplo?
Perante o gravíssimo drama dos fogos florestais, advogava Paulo Portas que deviam ser dado poderes à policia para prender aqueles que lhe parecessem suspeitos. Sem intervenção judicial. Só na base da suspeita (fundada, ou infundada).
Ou seja, sem mais nem menos, como noutros tempos.
Mais tarde alargar-se-ia esta possibilidade para outras actividades… e ele anda disso tão ansioso!
Nem vou perder tempo, para lembrar campanhas de «higienização» de tempos passados e algumas presentes. Só a ideia arrepia.
Assim. evitando conspurcar este meu texto e para os arautos das «limpezas» endereço um conselho:
Antes de quererem «limpar» o que quer que seja, limpem primeiro a cabeça e com especial atenção a língua.
Com muita água e algum sabão.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
As cidades (tambem) morrem de pé
A lógica moderna da vida nas cidades é marcada pela construção desenfreada. Pelo rasgar de avenidas longas e rectilíneas. Pelas construções esquadráticas e em altura. Pela normalização de tubos, ligações, perfis, parafusos, canos, coberturas, caixilharias.
Por periferias ricas com vivendas, garagens, piscinas, relvados e zonas de churrasco, tudo devidamente amuralhado - qual reminiscência medieval - e protegido por ferozes cães.
Pontificam os jipes, motos quatro e de água, barcos, skis para a neve - que dista centenas de quilómetros - e milhares de outros visíveis adornos.
Esta lógica moderna está a matar as cidades enquanto espaço de socialização, democracia e liberdade.
As cidades estão a virar meros aglomerados, de centros vazios e decadentes, de costas viradas para a história e para a cultura.
E a par desse processo, no Alentejo, as cidades seguem o curso de esvaziamento demográfico do meio envolvente.
Parece ter-se registado aqui um fenómeno de migração bietápico. Numa primeira fase dos campos para as cidades da Região e posteriormente destas para as grandes cidades do litoral.
Nem Évora é já excepção a este cenário.(Havia sido nas ultimas décadas)
O centro está abandonado e as suas casas e palacetes vão ruindo com o passar dos anos.
Os velhos arrastam-se pelas suas velhas ruas em perfeita simbiose no adeus.
O crescimento - que tantos insistem em apresentar como factor de desenvolvimento - leva a que grandes manchas da área urbana estejam sujas, feias, decadentes.
A cidade está vazia. O café toma-se encapsulado em casa.
Perde população, envelhece a que fica, a actividade económica está fragilizada, perde dinâmica social e cultural.
Estes são os traços de uma cidade, não só em processo de decadência acelerado mas que está a morrer, de pé.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Cidades e Campo, Campo e Cidade
Agora que as matas ardem e com elas arde o sustento de alguns (muitos), que os campos não dão trigo nem cevada, em que não há legumes nem frutas, em que as escolas, centros de saúde, postos da gnr e outros serviços, encerram portas, agora… talvez fosse oportuno.
Talvez fosse oportuno, falar do campo.
Do campo que odiámos, abandonámos e entregámos à sua desgraçada sorte.
Antes, viemos para as cidades à procura de trabalho, casa, lazer, ensino e liberdade. O campo não nos facultava esses atributos.
Era um meio austero e duro. «O trabalho do campo é pra homens de barba rija» sempre me impuseram.
Ele tinha que ser penoso, pois só assim era honroso. Podia um homem apanhar azeitona de joelhos? Nem pensar! Que vergonha! - Mesmo se apanhasse mais que curvado e cravejado de dores lombares.
E hoje, as barbas dos homens continuam rijas mas os homens definham arrastados pelo passar dos muitos anos.
E as mulheres curvam-se sob o peso dos anos, das dores e dos resquícios do trabalho duro dobrado.
Só abrem rasgos de esperança no sulcado dos rostos quando os filhos e os netos, numa fugaz passagem, os visitam num final de tarde de um fim de semana.
E os homens, com responsabilidades, parece que tudo fazem para acrescentar ainda mais abandono.
É tempo de repensar estratégias.
De encontrar formas de intercalar e harmonizar campo e cidade.
De encontrar formas que «honrem» o trabalho nos campos e a vida nas aldeias.
A ciência e a técnica facultam-nos hoje meios que podem ser postos ao serviço desta articulação e da harmonização da forma de vida nos dois meios: citadino e rural.
Não precisamos de proclamar um regresso ao campo.
Mas julgo que precisamos de fazer as pazes com o campo.
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Uns e Outros
Descubra as diferenças
Há dias, durante as férias, numa fuga aos amontoados de toalhas e concertos de toque de telemóvel, fizemos uma incursão pelo interior algarvio.
Numa bonita aldeia, numa loja de artesanato, fazendo conversa com o proprietário, veio à liça a crise - tema inevitável - e o desabafo do meu interlocutor - resignado como quase todos - : «O que é que havemos de fazer…os outros também não são melhores…»
Não são não! Mas há mais «outros».
Explicitamente dei a entender ao meu companheiro de desabafo, que havia alguns «outros», a quem, pelo menos devia ser dado o beneficio da dúvida.
Percebida a «coisa», concordou.
Agora, com pontais e outras diatribes, lembrei-me da frase do homem da loja de artesanato: «…os outros também não são melhores».
Por facilidade narrativa, utilizarei a designação de «uns» e «outros». Sendo «uns» os que estão no Governo e «outros» os que lá estiveram antes. Aliás, este render de guarda entre «uns» e «outros» é rotina de décadas.
Assim, «uns» aproveitando os ditos de «outros», logo bradaram que os «outros» queriam mergulhar o país numa crise. (???). Retorquiram os «outros» que não. Que simplesmente apresentavam condições.
«uns» e «outros» jogam matreiros jogos de poder. Para «uns» e «outros» a crise é só um vocábulo de arremesso nesse jogo.
«uns» e «outros» aguardam o momento certo, não para atacar a crise, mas para assaltar o poder. «uns» para lhe garantirem maior «estabilidade», outros para a ele voltar pois já têm a clientela sedenta e nervosa.
E nós que sabemos que havia uma forma tão simples de dar por terminado este jogo…
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Desperdicios
Conhecemos sobejamente as receitas que os responsáveis da crise apresentam até à exaustão para combater a crise (que geraram, repito).
A mais badalada de entre todas é a de redução dos salários. O grande arauto desta medida em Portugal - O Sr. Governador de Coisa Nenhuma - difunde-a agora à escala europeia - vejam-se as «conclusões» ontem divulgadas do BCE de que agora é vice. Vicio.
Mas, salvo lapso de memória, não há notícia de que algum tenha proposto a eliminação do desperdício.
Talvez porque muito dele, seja correspondente a mordomias de que usufruem escandalosamente milhares de «dirigentes» da coisa pública.
Viaturas de serviço usadas e respectivos motoristas para fins particulares.
Telemóveis de serviço e colossais gastos de comunicação, que se usam mesmo em férias.
Representações e custos de utilidade duvidosa.
Tecnologias, mobiliário e inúmeros «gadgets» só para «marcar estatuto».
Edifícios - alguns, verdadeiros palácios - que são meros castelos de meros generais, que estão sub aproveitados ou mesmo abandonados e na mesma cidade, arrendamentos de milhares para albergar serviços.
Estruturas orgânicas feitas à medida dos interesses de alguns. Departamentos sem divisões. Divisões minuciosamente divididas.
Gastos ridículos - há serviços que imprimem diariamente o Diário da República electrónico.
Recrutamento de funcionários só porque o domínio do chefe A não pode ser inferior ao do chefe B.
Se há coisa que chefe gosta é de ter domínio sobre detentores de formação académica elevada. E contrata por isso um técnico superior para desempenhar tarefas de complexidade adequada para um assistente administrativo ou técnico
Deslocações em serviço, com o mesmo destino, de inúmeras viaturas que se cruzam nas estradas com lotação reduzida.
E um infindável campo de outros exemplos. E podem ser mais explícitos. Com factos, nomes e números. Assim queiram.
Combatam o desperdício e garantidamente eliminam o deficit.
Mas preferem continuar a insistir na diminuição dos salários.
E nós sabemos porquê.
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Alentejo frondoso
Há dias, em extenso trabalho jornalístico, ficámos a saber que o futuro da agricultura passa pela sua prática em altura, ou seja sobre construções em altura.
Nada contra.
Desde que também nada haja contra as outras posições em que esta pode ser realizada.
E ao olhar para a imensidão dos campos sem nada produzirem (para além da flora natural) pergunto se neles não é possível a prática agrícola?
Aqui, no Alentejo, e sei por experiência própria ou transmitida que de igual forma em muitas outras partes do país e do mundo, o campo é o campo do latifúndio. Dos grandes domínios senhoriais, murados e santificados para a caça. (para alguns, poucos)
O latifúndio foi sempre e volta a ser no presente, o escalracho desta terra. A erva daninha que a afecta e a impede de assumir a sua função social.
Um escriba desta cidade, deslumbrado com a sua imaginação e desejo condicionado por interesses que tais, esborratava que o Alentejo está frondoso – graças a Alqueva – e ávido de desenvolvimento – basta que gostem dele, arrematava.
Todos conhecemos a estória do burro e dos óculos de sol de lentes verdes para que pudesse comer como prado frondoso a palha seca que lhe estendiam…
De Alqueva – construída com dinheiros públicos – ainda aguardamos que regue as terras e as ponha a produzir, porque o que vemos até agora como frondoso são os mega projectos turísticos que se iniciam ou insinuam nas suas margens.
Avistemos o grande lago, por exemplo do alto de Monsaraz, e sem óculos de sol de lentes verdes o que avistamos?
O dourado dos campos torrados por este estio impiedoso e a mancha enorme azul esverdeado das águas quase paradas.
Os projectos turísticos, assim como o aproveitamento energético, a pesca e outras valências, não são de importância desprezável.
Devem no entanto ser complementadas com a valência agrícola e a irrigação das terras numa perspectiva de produção de bens agrícolas que possa contribuir para a redução da necessidade da sua aquisição externa.
Alqueva é grande. Aprisionou um grande rio.
Que não nos aprisione as vistas.
Eu gosto do Alentejo.
Mas não o Alentejo aprisionado e subjugado dos marialvas e dos grandes senhores feudais.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Amor Feliz
Sou da geração de Abril.
Aprendi a viver a liberdade quando esta dava também os seus primeiros passos.
Aprendi pois por isso, por força deste privilégio de que nem todos puderam usufruir, que os homens são iguais perante si.
Em direitos, em oportunidades e em responsabilidades.
Assim caldeado, aflige-me constatar que, se por um lado faço parte da geração privilegiada, faço por outro lado parte, daqueles que com tristeza constatam, que estamos a viver um retrocesso civilizacional.
Para além de outros, muitos, são indicadores que fundamentam esta constatação, os crescentes casos de violência por força do género, essencialmente sobre as mulheres, a que se convencionou (não sei se bem) designar por violência doméstica.
Se actualizados os números, são, ao momento, 14 as mulheres assassinadas este ano, por maridos, companheiros ou namorados, ou ex cada uma destas situações.
Crescem (segundo a edição de hoje do «Público») as queixas contra menores por violência sexual.
Todos conhecemos, situações na juventude ou mesmo ainda na adolescência, de violência (quase sempre) dos namorados sobre as raparigas.
Por amor, dizem todos. Independentemente das idades.
Há para este drama, as mais diversas teorias de intervenção No entanto, julgo que quase todas apontam para a parte final do problema, ou seja, para a necessidade de uma maior protecção policial e por uma maior repressão aos criminosos.
Serão importantes, mas insuficientes.
Julgo que o problema tem uma dimensão cultural que não pode ser desprezada.
Quando tanto se fala e parece que pouco se faz, de educação sexual nos programas escolares, poderia ser contributo importante, que na matéria se incluísse a temática da igualdade do género.
Onde pudesse ficar claro que amar é, não possuir, mas partilhar. É a simbiose de duas vontades, livres.
As “telenovelcas” de trazer por casa que têm arrastado fornadas de adolescentes para comportamentos padronizados, têm contribuído para tudo, menos para a difusão de um conceito de amor livre.
E livre, porque são livres os pares. Não porque seja desregrado.
Quando todos perceberem a diferença (mesmo no capítulo do prazer físico) entre amor partilhado e «amor» suportado porque imposto, então estaremos muito próximos de um amor feliz.
Este texto é um mero desabafo de indignação e uma vibrante condenação, face aos crimes bárbaros praticados por pessoas com quem se partilhou casa, filhos e vidas….
sábado, 7 de agosto de 2010
CIDADES E MASSA CRITICA
Viver em cidade pressupõe viver em sociedade.
Implica a necessidade de partilhar um espaço comum, respeitar regras de ocupação e usufruto desse mesmo espaço e deve pressupor também (sendo condição, não é no entanto regra universal) a possibilidade de participar nos seus fóruns, espaços de debate e intervenção.
Quando esta última condição não se verifica, ou estamos perante uma cidade sem vida democrática (o que é desde logo a negação de cidade) ou perante uma cidade doente, apática (a não cidade).
Cidades negadas e não cidades são meros aglomerados, de maior ou menor dimensão, de gente (homens, mulheres e crianças).
A ser assim, o que é Évora, hoje?
Cidade negada, não é.
Mas tem grandes indicadores de uma não cidade.
Não se discute, não se critica. Abandona-se. Procura-se noutras cidades.
Imundices junto aos contentores de reciclagem, ervaçais por todo o lado, ruas sujas, estacionamento selvático, tráfego desordenado, vida cultural outlet (excepto estóicos esforços), casas em ruínas com entradas emparedadas, água caríssima e de má qualidade.
E propaganda.
E, todos, todos, à espera de uma fábrica de rabos de avião.
A questão é: vai ou não haver fábrica. (Ai Jorge Amado, que linda novela…).
E a cidade queda. Sem massa critica.
Não tem Feira, Não tem Centro de Feiras e Congressos, Não tem cinema, não tem Auditório, não tem Centro Desportivo.
Mas tem propaganda.
E um presidente que enche a boca. Com excelência.
Que é feito da massa critica da cidade, que lhe deu em tempos vida, dinâmica e projecção?
Que é feito das suas elites? Das que agem e contribuem para a dinâmica?
Só existem as acomodadas? As que vão aos beberetes, as que têm acessos vip aos espectáculos outlet ?
Até o Centro Comercial afinal é outlet.
Serão outlet(s) os rabos de avião pelos quais toda a cidade espera?
E sentada, porque a coisa tem sido demorada.
Aguardemos.
domingo, 1 de agosto de 2010
PERGUNTAS
Será que hoje, ao jantar, enquanto o empregado prepara diligentemente a cadeira para que a senhora de sua senhoria se sente e sua senhoria já se refresca com a água mineral importada de frança, no restaurante da moda, onde jantam habitualmente aos domingos, estas senhorias terão consciência, que hoje, graças a medidas que aplaudiram, alguns milhares de portugueses iniciam um mês onde vão ter de cortar no feijão e nas batatas das suas habituais refeições de feijão com batata?
Será que hoje, acabadinhos de chegar e enquanto esperam pelos amigos debicando umas gambas algarvias regadas a alvarinho, na esplanada do restaurante (que fica em frente do amplo relvado do golfe) e fazem esperar as lagostas grelhadas na brasa, os senhores e os senhorinhos que aprovaram e produziram as medidas legislativas se lembrarão, em algum momento, que hoje e graças a si, os mais pobres ficaram mais pobres?
Será que os que, também acabados de chegar, mas com destinos diferentes - há quinze anos que alugo esta casa ao Sr. Francisco…tem um belo quintal para as charruscadas - se aperceberão em qualquer momento, que muitos, hoje na hora da distribuição da comida pelos filhos, pesam cada colherada na preocupação de uma distribuição equitativa de uma refeição de miséria e que tal se fica a dever também à indiferença (e em alguns casos, até com anuência) com que receberam as medidas do Governo?
Pois os que aplaudiram, votaram e consentiram são responsáveis.
E a sua responsabilidade tem a dimensão de uma canalhice.
Se há deficit, procurem as causas nos esbanjamentos e nas mordomias inqualificáveis que ostentam.
Não acrescentem mais miséria à miséria.
É tempo de terem vergonha.
Não sei é se ainda vão a tempo.