Terminada a Páscoa e estranhando “o da sopa dos pobres” por nada me dizer ainda por mais numa época tão propícia à abordagem dos seus temas, tirei-me de mais demoras e procurei saber dele.
Encontrei-o atarefado de volta de um borrego. Limpava-o de gorduras, separava as costeletas em costeletas da rinzada, em costeletas para fritar e para panar. Preparava a perna para o assado e as abas para o ensopado.
Meti conversa e fiquei a saber que não anda ele muito virado para conversas sobre gastronomia. Porque já enjoa – como disse - não haver cão nem gato que não bote faladura sobre a coisa e quase sempre fazendo da sua opinião a douta certeza.
Para além dos masteres todos surgiu agora um tal MEC que até sobre torradas já produziu tese.
Terá ele comido alguma feita em lume de chão e barrada com toucinho cozido? Não comeu decerto.
Não comeu e não comerá. Não são estas as melhores torradas do mundo. Essas – as melhores – sabe ele quais são. E tem a gentileza de partilhar esse seu saber com o comum dos mortais. Grande homem.
Mas o que mais apoquenta «o da sopa dos pobres» é a inquietação que lhe resultou de outras abordagens que fez sobre «comida». Confrontou-se, por força de comentários ouvidos, com a sua própria «génese» - assim mesmo – como me disse.
«Génese» disse meio espantado. Sim. Um homem põe-se a duvidar da sua…
Da sua?.
Sim. Da sua masculinidade.
Homem que goste de cozinhar é um tanto ou quanto assim como…
Os homens…homens…não cozinham. Não partilham tarefas domésticas. Têm sempre muitos trabalhos que trouxeram para casa, a comida não lhes diz nada.
Mas comem.
E há mais, disse-me: repara nos riscos que corres.
Quem gosta de gastronomia fala abertamente de matanças. Pergunta descontraidamente pelo telefone a um amigo: Então quando é que matas?
Ao que é natural que o outro responda, ainda não vai ser este fim-de-semana, mas olha que no sábado vou matar dois ali no monte dos frades…os gajos de lá pediram-me e eu vou fazer-lhes esse favor.
E que se fale de sangue. Não desperdices o sangue, ouviste?
Imagina tu que tenho o telefone sob escuta, vou de cana em menos de um farol.
São perigosas as conversas de comida.
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