segunda-feira, 7 de abril de 2014

Inquietantes tempos

 

Não me recordo, se já por aqui referi alguma vez, que acalento a ideia de me envolver numa pesquisa através da qual se possam identificar (ou contribuir por aproximação) os processos de formação de personalidade e no mínimo, as condicionantes e as razões para determinados comportamentos.

Obviamente que sei que cada um de nós é um caso e que isso mesmo pode ser o factor diferenciador face a outros seres vivos, ou seja o que nos diferencia é a nossa marcada individualidade.

Mas não é em torno das questões que só ao individuo dizem respeito que quero incidir a anunciada e adiada pesquisa, mas sim conduzi-la em torno das expressões que sendo individuais têm forte incidência nas escolhas colectivas.

Não tenho a menor intenção de, com esse objectivo, percorrer os caminhos do consumo e da moda. Pretendo antes percorrer os caminhos da cultura nas expressões religiosas e políticas.

Em que «caldo» ou «caldos» se geram as opções?

Porque é que a Sul se verificam votações expressivas nos chamados partidos de esquerda e a Norte de sentido inverso?

Porque é que existem tão diferentes níveis de religiosidade, principalmente no que diz respeito às práticas, também por força dessa mesma razão geográfica?

Como se formam as condições para o êxito de implantação de novas religiões?

A que se devem os êxitos (massivos) dos programas de televisão de ordinária coscuvilhice?

Ambição. Ambição.

Adie-se.

Esta referência surgiu porque aquilo que hoje quero referir tem de certa forma enquadramento com essa preocupação.

Ao comemorarmos quarenta anos da Revolução de Abril (já?) confronto-me com a tentativa de caracterizar posicionamentos face à data, mais propriamente face ao que ela representa e dessa forma procurar saber da vitalidade ou esmorecimento dos seus valores.

Foi com agrado que li há dias, que em estudo creio que conduzido no âmbito da Universidade Nova de Lisboa, a maioria dos inquiridos considera o 25 de Abril como a data mais importante da história de Portugal.

Face ao que, tendo reflectido em torno de posicionamentos, considerei a existência dos planos (extractos) seguintes:

Um extracto correspondente a um conjunto restrito de indivíduos, que por vivência direta ou reflexo geracional odeiam os valores de Abril. São os senhores dos grandes consórcios, das terras, das finanças e do alto clero. Trata-se de grupo homogéneo, coeso culturalmente e de onde só excepcionais exceções se poderão esperar.

Este grupo tem junto a si um sub-grupo que por força de dependências várias, principalmente de ordem económica, pensa e age de forma seguidista. O corte – se em ruptura – pode dar origem a significativas rupturas na forma de agir.

Existe depois um «espaço», que se presume amplo, dos que culturalmente se identificam com os valores de Abril, mas cujo interior se subdivide em diversos grupos. Embora se verifique uma certa transversalidade etária o peso maior verifica-se nas gerações que diretamente viveram os acontecimentos e que por isso têm hoje mais de quarenta anos.

Não sendo muito adepto da tipificação com base no critério etário, penso que se pode admitir que aqueles que têm 30 ou menos anos, apesar de se integrarem nas tipificações já referidas, têm tendência a integrarem-se naqueles que consideram a liberdade como valor maior e associam esta ao 25 de Abril. Já no que toca a outros valores não se poderá afirmar de igual clareza de posicionamentos.

Preocupante, porque se prenuncia crescente, é a existência de uma «massa» alienada, que por um lado associa as suas dificuldades e a sua pobreza aos políticos e ao 25 de Abril e por outro, os mesmos ou outros, que fazem questão de se afirmar como não «querendo saber dessas coisas».

São estas reflexões a que talvez dê aprofundamento.

E é com elas que vivo estes tempos de comemoração e em que sinto mais apreensão que confiança.

São muito inquietantes estes tempos presentes.

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