Quando menino, sim, eu também fui menino – por pouco tempo é certo, mas fui, retomando: quando em menino e mesmo sem me perguntarem, eu dizia que quando fosse grande, eu queria ser jornalista.
Hoje agradeço não se ter concretizado este meu sonho.
Estaria agora a vasculhar despachos das centrais de produção de «coisas» publicáveis.
Mortes por estrangulamento, por asfixia, por degolação – as formas mais sanguinárias e terríveis. Estaria a hierarquizar as «coisas» para publicar por força do número de mortos.
Estaria a reproduzir os discursos da conformidade e da submissão aos ditames do patrão dono do jornal e dono da economia do meu país.
Estaria à porta da prisão de Évora – dias, semanas e meses a fio e ao frio, à espera das visitas de Sócrates.
Estaria a fazer perguntas patetas a patetas que falam sobre tudo.
Poderia ser que um dia, num acesso de lucidez ainda possível eu noticiasse a morte da estupidez.
Ou, não sendo tão utópico, noticiasse a existência de, uma grande pandemia a provocar milhares, milhões de mortes de estupidez.
Mas não…noticiaria como ontem vi noticiado: «bombista suicida (?!) é a moeda para troca com refém japonês», ou «Em Nova Iorque (por causa de um forte nevão) as pessoas preparam-se para o fim do mundo».
Ou difundiria até à exaustão que a carne nos talhos está imprópria para consumo.
Ou…
O meu sonho não se concretizou (e, por isso, eu sinto-me feliz).
Mas concretizou-se para muitos.
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