Em memória do Queimado
Agendei, e preguiçosamente tenho adiado, a leitura de uma entrevista a Elisio Estanque.
De uma percepção rápida – daquelas que resultam das apressadas e enviesadas leituras- extraio a ideia que algumas das ideias por ele expostas, me seriam agora de grande utilidade. Consequências da preguiça.
Julgo ter ele dito “que em Portugal todos nós estamos muito convencidos que sabemos tudo”. Mais coisa, menos coisa.
Pois, integrado nessa «mania», quando falamos de cultura, logo surge uma mole de entendedores, de discursos fáceis, tão elaborados e requi(e)ntados que afastam do tema qualquer incauto (ou qualquer outro) que sobre ele – o tema - pensasse ter algo a dizer.
Não tem não senhor, a cultura não está ao acesso de qualquer um. Dirão em coro os entendidos e excluindo qualquer veleidade de outros procurarem tal estatuto.
Utilizando a moda, poder-se-á dizer que a cultura é no entendimento deles, um produto gourmet.
Para mim, tenho o defeito de a considerar sempre na perspectiva sociológica e considera-la como o conjunto das formas de agir e pensar que são marcas distintivas de um povo, de uma etnia ou grupo.
Outros, complicam-na para lhe dar «charme»… Misturam com economia, com planeamento, com marketing, misturam água, mexem (deveria falar de mix…) e elaboram estudos com curvas de oferta e procura, e fazem planos que chamam de estratégicos e outros de promoção.
Pois façam.
Soube há dias da morte de um velho (utilizando no termo todo o respeito que certas culturas lhe atribuem) que conheci e a quem ouvi muitas histórias. Gostava da maneira eloquente que punha nelas e a forma como nos transportava para o interior dos enredos que contava, fazendo-nos por vezes sentir como personagens desses mesmos enredos.
Há tempos que não frequentava a Praça. A sua Praça.
Era ali o seu mundo. O espaço da sua construção narrativa. Foi ali que me contou os episódios rocambolescos ocorridos em tempos idos entre mouros e judeus ou outros de tempos também idos mas há menos tempo e passados nos campos das suas memórias lá para os lados de Redondo.
A Porta Nova (a quem fui buscar o pseudónimo) foi obra necessária para suavizar as escaramuças entre os já falados mouros e judeus, que ocorriam ali para os lados da Praça que então era rossio, contou-me.
Ter tomado conhecimento, numa noticia simples de necrologia publicada num jornal local, que o Queimado havia partido, reavivou o episódio em que ele, julgando tratar-se de uma entrevista a publicar em jornal, se disponibilizou par ser meu entrevistado, num trabalho de pesquisa que então desenvolvia.
Foi já há algum tempo. Ainda no tempo das cassetes. Espero encontrar a gravação que então fiz.
Porque, senhores da cultura, as memórias deste homem e de muitos outros homens como ele, com quem nos cruzamos e sobre os quais alguns de vós emprestam ar emproado, são depositários de uma memória e de uma oralidade de fortíssima carga cultural.
Não basta citar e tantas vezes mal, porque por aqui, também quando morre um velho, é uma biblioteca que arde.
Mas ao contrário do que ocorria no Mali e aos fulas (que se perdia quando morria um deles), aqui, se quisermos e se perdermos a sobranceria, podemos encontrar formas de salvar essas bibliotecas.
O D´a Porta Nova
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