Ena tantos…
Sempre nos inebriámos com as multidões. Esperávamos ansiosamente pelo início (a abertura da festa, como sempre lhe chamámos) para aquilatar da dimensão do número de visitantes.
Todos os anos estava sempre mais gente que no ano anterior.
Assim pensávamos e assim acreditamos.
Talvez não seja assim. Não é assim garantidamente, mas que importa, se esse é o nosso forte desejo? A retribuição a que nos julgamos com direito.
Estão sempre mais.
E assim inebriados nos esquecíamos e esquecemos de quantos e tantos que ali não podiam e não podem estar. E quão injustos sempre fomos com tais esquecimentos.
No fundo, sempre pensámos que os que não estão, não estão porque não querem. Porque seria então?
Nos últimos anos, talvez porque cada vez são mais difíceis os encontros no meio da multidão, começámos a sentir – alguns – algumas faltas. Desencontros – porque à Festa vieram de certeza.
E seguimos.
E não paramos sequer para, por um momento, recordar o velho camarada – que sempre que as forças lho permitiram ali esteve connosco – e agora está sentado e triste no sítio onde tem de estar, amarguradamente a pensar em nós, em vós, os que estão na Festa.
E ele lembra-se dos nossos nomes, das tarefas que cada um de nós gostava de ter, dos que gostavam de lavar loiça, de descascar batatas, de varrer a esplanada, de ir com ele ao armazém, para os reabastecimentos.
Lembra-se também dos nossos problemas, daqueles que partilhámos então, e pergunta pelos nossos filhos, se estamos bem de saúde.
Ele, talvez as forças, ainda lhe dessem, mas não pode deixar a sua companheira de sempre, doente e impossibilitada.
Confidenciou há dias a uma amiga: nestes dias – antevésperas – em que habitualmente os camaradas partem para a Festa – nem vou buscar o jornal – peço a alguém que o faça.
Imagina o que me custa.
Se fosse à Festa – se pudesse ir à Festa – estava junto daqueles que sempre esteve ao longo da sua já longa vida.
Agora, que não pode ir – fica perto e cuidando de quem sempre o acompanhou.
Que os que estão, porque podem, se lembrem dele por um momento, um breve momento que seja.
E lhe mandem um abraço.
Ele ia gostar e não custa nada.
Também é um gesto «revolucionário».
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