quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Oh natureza, oh santa incompetência




E, arremessando a bíblia, o velho abade
Murmurou:

«Há mais fé e há mais verdade
Há mais Deus com certeza
Nos cardos secos d'um rochedo nú
Que n'essa bíblia antiga... Ó Natureza,
A única bíblia verdadeira és tu!...»

Guerra Junqueiro


Hoje, o adorno mais usado em Évora, foi o garrafão de água. Por ele, travaram-se as mais épicas peripécias.
Sítios houve em que se vendeu tanta água até às 10 horas da manhã como a que se vende num mês inteiro.
Não fora o facto de não ter podido tomar banho, ter simplesmente sarapintado a cara para tirar os restos de espuma da barba, lavado os dentes usando uma pequena garrafa de água mineral, amontoando a loiça suja, contraído as vontades (aquelas) e até tinha achado piada à coisa.
As bicas foram tiradas com água mineral e ganharam um gostinho diferente e as pessoas, todas, transitavam, não de guarda chuva - que até essa parou ao meio dia - mas de garrafanito ou garrafanitos nas mãos.
Uma nova tendência da moda - uma consequência de criatividade certamente resultante do Évora Moda - e que sem dúvida, será seguida nas grandes cidades europeias - cidades de excelência - como Évora.
À hora que escrevo, aguardo a próxima conferencia de imprensa do excelente presidente da câmara desta cidade excelente, a informar que o problema está resolvido e que nas próximas horas o abastecimento de água estará restabelecido.
Convencido, interrompi e fui verificar: nem uma gota ainda…
Dizem que a causa do problema reside nos níveis de alumínio presentes na água da albufeira onde se faz a captação - elevados, por força das enxurradas provocadas pelas fortes chuvas. Parece ser verdade que as chuvas influenciam o fenómeno, o que me intriga é a expressão desse fenómeno, ou seja, seria a concentração de alumínio tão elevada que determinasse uma medida tão drástica? Teria níveis de toxidade tão elevados que não permitisse sequer o seu uso para outros fins que não o consumo?
Por força deste facto, reflecti sobre hábitos, dados adquiridos e acima de tudo sobre a propagada infalibilidade da ciência (quem não ouviu já: está cientificamente provado, por isso não questiones).
À pretensa infalibilidade científica juntou-se a não menos arrogante infalibilidade da técnica. O homem como senhor da natureza.
E entretanto assistimos todos os dias, às vezes com consequências dramáticas, à desmaterialização desta certeza da modernidade.
A Ciência - que alguns quiseram elevar ao estatuto dos dogmas religiosos - um novo Deus - não é mais que uma forma (correcta) de procurar as respostas e de se aproximar do real
O caso de Évora é, uma expressão leve (pela dimensão dos efeitos)do fracasso da técnica e uma demonstração inequívoca da incapacidade dos gestores da cidade.
Apesar de tudo, confio mais na técnica que na capacidade dos governantes da cidade.
Tenho FÉ que amanhã de manhã possa tomar duche.

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