quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Em Montemor, com muitas saudades do futuro.
Ontem foi dia de reencontro de amigos e de memórias.
Em Montemor homenageámos a dignidade.
A dignidade dos que se ergueram contra a tirania e a opressão e assim, levantados do chão, fizeram a Reforma Agrária.
E com esta criaram emprego, fixaram população, alfabetizaram, abriram creches, ludotecas.
Trouxeram para as terras antes de miséria e sufoco, a alegria de trabalhar o campo, de produzir.
E surgiu o teatro, ora improvisado, ora pela mão de actores a sério (e sérios).
E cantávamos modas e hinos acompanhados em coro por cantores a sério (e sérios).
E conhecemos escritores a sério (e sérios), quando muitos por ali ainda não conheciam sequer o livro.
Trouxeram para as aldeias onde antes escasseava o pão, iguarias inimagináveis - sem ironia, - conheceu-se o fiambre, o iogurte e outros. As cantinas e cooperativas de consumo disso se responsabilizaram.
E o mais bonito, foi que tudo isto foi feito, com muita dignidade e sem raiva.
Ninguém ali quis tirar a terra para ficar com ela para si, mas simplesmente para a pôr a cumprir as suas funções sociais.
A terra passou a ser de quem a trabalhava.
E recebiam-se amigos das cidades aos fins-de-semana que vinham ajudar a apanhar a azeitona, o tomate, a carregar fardos de palha.
Foi bonita a festa.
Mas…
Os esbirros espreitavam e esperavam a revanche. O povo não podia ser feliz.
E encheram os campos com metralhadoras, tanques de guerra, cavalos, cães, soldados.
Para devolver as terras aos seus donos, diziam.
E espancaram, feriram, mataram
Até os padres assim rezavam –é preciso devolver as terras aos seus proprietários - …como se deus tivesse feito homens com terra e homens só com miséria.
E como nos tempos que se seguiram, foram socialistas os mandantes...corrigir excessos, diziam.
E hoje vemos os resultados dessa correcção de excessos.
Os campos estão de novo improdutivos, cercados com arames electrificados e com ameaçadores dísticos: «é proibido colher, espargos, cogumelos» e até caganitas de coelho, acrescenta-se.
E a população procura de novo as cidades.
E se antes os novos vinham visitar os velhos que ficavam. Agora já quase não há velhos que ficaram.
Mas.
Há-de haver um dia essa alegria, que a malta constrói. Quando se luta dia a dia. A luta não mói.
E nós encontrámo-nos ontem em Montemor, não como saudosistas de um tempo perdido, mas com muitas saudades do futuro.
E com um brilhozinho nos olhos.
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