sexta-feira, 9 de março de 2012

PASSARÕES

 

Num tempo não muito distante, quando os ventos de liberdade agitavam estas terras áridas, começaram a afluir aqui, espécimes de diverso tipo.

Quase todos jovens, formados ou em formação, entusiasmados e arautos incansáveis da Revolução, cuja boleia apanhavam.

Foram recebidos como sempre aqui se recebe, obedecendo à máxima: «seja bem vindo quem vier por bem. E eles vinham por bem. Diziam-no.

O Alentejo por natureza árido, estava então ainda mais árido. O latifúndio sufocava-o e o regime de suporte deste, encarcerava-o.

Os homens e mulheres entretanto livres do cárcere, recebiam de bom grado estas lufadas de gente com ideias frescas. Novos companheiros (assim julgavam) para a luta que sabiam ter de continuar.

E comeram açordas juntos e sentaram-nos às suas mesas. Beberem vinho da talha por eles fermentado e procuraram ensinar-lhes o seu canto, arrastado e melodioso.

Carente de gente que tivesse tido a oportunidade de seguir estudos, chamou doutor a alunos que nem uma cadeira haviam feito ainda e engenheiro a técnicos agrícolas sem curso terminado na Paiã.

E aceitaram-nos no partido e confiaram-lhe cargos. Tratavam-nos por camaradas. E eles gostavam.

E os doutores e engenheiros cimentaram com argamassa de superioridade os caboucos de confiança com que haviam sido recebidos.

E incharam, incharam. E à primeira oportunidade, traíram.

Que ninguém agora ouse trata-los por camarada. Doutores e engenheiros e não menos do que isso, mesmo que nada (do ponto de vista académico) tivessem acrescentado à situação de chegada.

E que bem que estes passarões se adaptam ao tempo e que bem que mudam de roupagem.

E mordem como cães raivosos nas memórias dos tempos onde se esforçam por apagar a sua presença.

Nem conseguem imaginar o quanto ficaríamos felizes se fossemos realmente capazes de apagar do tempo essas memórias.

Nem conseguem imaginar o asco que sentimos quando nos recordamos que um dia, estes passarões nos trataram por camaradas.

Nem conseguem imaginar o nojo que sentimos quando vimos agora um desses passarões a querer dar nomes de carcereiros a ruas de uma cidade de gente de luta pela liberdade e quando outros, pesquisando já novos caminhos para enfartar panças, falam do Alentejo como coisa sua e dizem querer fazer dele um Alentejo de excelência.

A excelência do Alentejo são as suas gentes.

Destes passarões nem os excrementos se aproveitam.

Aos outros. Aos que fizeram o percurso na vertical, um abraço fraterno camaradas.

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