quarta-feira, 21 de maio de 2014

Reflexão (quase) hermética

 

Vá-se lá saber o que lhe vai na alma…


Quanta vezes não ouvimos esta expressão dita a propósito ou por força da incompreensão da razão para determinado comportamento de alguém.
Esta minha obstinação em procurar compreender as razões dos comportamentos (que aqui já expressei por mais que uma vez) talvez se enquadre e encontre raízes neste desabafo popular, só que ao invés de dar à expressão o sentido da resignação, procuro fazer dela o alimento da curiosidade metódica.
Por estes dias, com um simulacro eleitoral à porta, verifico do despudor de muitos protagonistas.
Perante a miséria criada, os seus criadores fazem arrufos entre si para disfarçar as culpas. Alguns falam de mudança e a única que se vislumbra será similar às que por vezes fazemos nas salas das nossas casas – mudando o sítio do sofá.
Os outros dizem que o pior já passou. Pois passou, mas por nós, com a culpa deles.
Outros, surgem de novo, como sempre surgem, sempre que há simulacros (com o mesmo folclore de sempre).
Trinta e nove anos disto e parece que isto vai continuar.
Uns, alienados, incapazes já de discernir. Outros, descontentes com todos (inclusive com eles mesmos) bebem avidamente o veneno, dizendo ser para a cura. Outros, julgando-se mais entendidos que os outros (com o meu voto é que eles não contam). Outros, que alinham e seguem o rebanho murmurando a sua oração de resignação: «o que é que a gente há-de fazer»
Entretanto, diz-se nos jornais, que a Srª Merkel já escolheu Presidente e Comissão.
Setecentos e cinquenta e um deputados também já estão mais ou menos escolhidos, mais coisa menos coisa e preparam-se para fingir que decidem os destinos desta coisa a que chamam União.
Podia ser… podia. Se por uma vez, só uma vez que fosse, assim o quiséssemos.
Podíamos construir uma sociedade mais justa. Se o quiséssemos.
E se quiséssemos.
Esta Europa de território quase contínuo, em que podemos partir de carro de Lisboa e chegar de carro a Moscovo, percorrendo países, saudando povos e encontrando formas de comunicação para aceder às suas culturas, esta Europa, dizia, podia ser partilhada como um território de alegria, paz e progresso.
Mas, parece que não queremos.
Mas não queremos porquê?

Como pequena nota de rodapé  e a propósito  da maneira como os senhores da situação estão a tratar  as Eleições para o Parlamento Europeu atentemos no patético anúncio radiofónico pretensamente de apelo à participação.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Hábitos…maus hábitos

 

Existia até há um tempo não muito ido, o hábito de perguntar aos meninos e às meninas: Gostas mais de quem meu (minha) menino (ou menina), do pai ou da mãe?

A pergunta estúpida era acompanhada, obviamente, por aquele trejeito de rosto, todo ele patético, a que se acrescentava a não menos ridícula entoação.

Criaram-se a propósito algumas anedotas, sendo a mais conhecida de todas (e naturalmente também estúpida) a que acrescentava a resposta do (a) menino (a): «de carne».

Estas lembranças surgiram-me a propósito de outras dicotomias que estupidamente nos vão artificializando e com que nos vemos forçados a tomar opção.

Gostas mais disto ou daquilo, não sendo possível a resposta de gosto disto e daquilo.

Gostas mais do campo ou da cidade, não sendo possível responder que gosto do campo e da cidade.

Gostas mais de letras ou ciências (mantive a expressão mas não partilho) não sendo possível dizer que gosto de literatura e de biologia.

Se às respostas, não estivessem associadas consequências, se as perguntas fossem meros exercícios dos doidos por rankings, não viria daí grande mal, o problema é que não é bem assim.

Quando olho para uma criança com quinze ou dezasseis anos, angustiada com a «área» que vai ter de escolher porque vai iniciar o secundário, então fica claro que não é uma questão assim tão neutral.

As estúpidas questões artificiaram estúpidas dicotomias. Estúpidos hábitos.

No ensino, conduziram a uma profunda segmentação dos saberes que quase produz génios analfabetos.

Na vida, em geral, conduziram ao arrebanhamento. Pensa-se como rebanho, não se pensa por cada um.

Anularam o «eu» em nome de uma pretensa ideia colectiva e como consequência fizeram do «nós» a anulação do colectivo e criaram o que pretendiam: um «eu» de rebanho.

E aqui chegados é tão fácil conduzir o «eu».

E é esse «eu» que berra mas segue apascentando.

Que, mesmo no voto (em que apesar de tudo ainda está garantida o direito à individualidade) acaba por agir sob a lógica do rebanho.

E vota (sempre no arco como descaradamente os pastores já definem) e depois queixa-se e depois volta a votar e depois queixa-se e vota e depois….

Como num final de dia, quando mansamente regressam ao ovil.

O «espojinho»

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Unanimemente

O «Da Porta Nova», fez-me chegar este escrito.

Parece um desabafo.

Ou talvez, um grito de alerta.

Não me cabe catalogá-lo. Haverá quem o faça.

Publico-o, simplesmente:

Perpetuamos as perplexidades sem cuidarmos por um momento, por um simples momento, que seja, que razões podem existir para a sua ocorrência.

Desapareceu a URSS, a RDA e todos os outros sonhos de Leste e perplexos, ao invés de procurarmos perceber, perpetuamos essa perplexidade ou de forma pior ainda, procuramos perpetuar a anulação da procura das causas.

E andamos, dizendo que em frente.

Somos até capazes de citar: um passo atrás para depois dois em frente.

E quanto muito, damos dois passos atrás e só um em frente.

E vivemos.

Vivemos hoje na corrente das unanimidades.

Pretensamente.

Sendo talvez, ou melhor, certamente, o tempo:

Das unanimidades das conveniências

Somos unânimes na condenação da política liberal que destrói as nossas vidas.

PSD e CDS são para nós, unanimemente e com cargas de razão, coisas abjectas. São as causas dos nossos males e por arrastamento, dos males do país.

De igual forma, unanimemente, partilhamos da ideia que não é percorrendo de novo os caminhos que nos conduziram ao desastre, que evitamos novo desastre.

E é com essas unanimidades que percorremos os caminhos das lutas. Como hoje, neste nosso 1.º de Maio, unânime.

E lá nos cruzámos.

No mesmo sítio. Com os mesmos objectivos. Mas desconfiados de cada um de nós.

E este não é um bom caminho. Mas é o caminho que percorremos.

Foi o caminho percorrido por outros, talvez na URSS, em que em nome da defesa dos necessários unanimismos, se criaram as clivagens da destruição.

Como é possível que, pensando de forma igual, nos transformemos em coisas tão diferentes no agir?

Como é possível que, sem que nos apercebamos, nos transformemos nas bestas que unanimemente criticámos?

Mas esta merda tem de ser sempre assim?

Mas é mesmo verdade que o poder corrompe o homem?

Mesmo os pequenos poderes?

Bolas.