segunda-feira, 5 de maio de 2014

Hábitos…maus hábitos

 

Existia até há um tempo não muito ido, o hábito de perguntar aos meninos e às meninas: Gostas mais de quem meu (minha) menino (ou menina), do pai ou da mãe?

A pergunta estúpida era acompanhada, obviamente, por aquele trejeito de rosto, todo ele patético, a que se acrescentava a não menos ridícula entoação.

Criaram-se a propósito algumas anedotas, sendo a mais conhecida de todas (e naturalmente também estúpida) a que acrescentava a resposta do (a) menino (a): «de carne».

Estas lembranças surgiram-me a propósito de outras dicotomias que estupidamente nos vão artificializando e com que nos vemos forçados a tomar opção.

Gostas mais disto ou daquilo, não sendo possível a resposta de gosto disto e daquilo.

Gostas mais do campo ou da cidade, não sendo possível responder que gosto do campo e da cidade.

Gostas mais de letras ou ciências (mantive a expressão mas não partilho) não sendo possível dizer que gosto de literatura e de biologia.

Se às respostas, não estivessem associadas consequências, se as perguntas fossem meros exercícios dos doidos por rankings, não viria daí grande mal, o problema é que não é bem assim.

Quando olho para uma criança com quinze ou dezasseis anos, angustiada com a «área» que vai ter de escolher porque vai iniciar o secundário, então fica claro que não é uma questão assim tão neutral.

As estúpidas questões artificiaram estúpidas dicotomias. Estúpidos hábitos.

No ensino, conduziram a uma profunda segmentação dos saberes que quase produz génios analfabetos.

Na vida, em geral, conduziram ao arrebanhamento. Pensa-se como rebanho, não se pensa por cada um.

Anularam o «eu» em nome de uma pretensa ideia colectiva e como consequência fizeram do «nós» a anulação do colectivo e criaram o que pretendiam: um «eu» de rebanho.

E aqui chegados é tão fácil conduzir o «eu».

E é esse «eu» que berra mas segue apascentando.

Que, mesmo no voto (em que apesar de tudo ainda está garantida o direito à individualidade) acaba por agir sob a lógica do rebanho.

E vota (sempre no arco como descaradamente os pastores já definem) e depois queixa-se e depois volta a votar e depois queixa-se e vota e depois….

Como num final de dia, quando mansamente regressam ao ovil.

O «espojinho»

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