sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Comparações essenciais e acidentes

Antes de mais importa reter que uso sempre do maior cuidado no uso da comparação.
É uma técnica possível em ciência (e também nas ciências sociais) que requer todos os cuidados e deve-se garantir antes de mais, que não se compare o não comparável.
Assim e disso prevenido, vou cingir as comparações a que quero proceder, ao domínio da essência, desprezando os contextos.
No Magreb, na Península Arábica e no Médio Oriente decorrem nestes dias de alvorecer de esperanças, dinâmicos, corajosos e épicos movimentos populares.
Precisando «geografismos» porque têm sido usados de formas tão diferentes e até erróneas e esclarecendo «posicionamentos», informo que tenho presente os acontecimentos em Tunísia, Argélia, Egipto, Bahrein, Iémen e obviamente, Líbia. Outros também, mas porque ainda embrionários, não dou agora o mesmo destaque.
As comparações então (exclusivamente na essência):
Todos os ditadores afirmaram nos momentos críticos que sem eles seria o caos.
O que fizeram (fazem) por aqui, governantes e políticos em estágio (ou de licença sabática) para a governação?
Afirmam que precisam de maiorias absolutas e estáveis, para poder governar, porque senão o país cai no caos.
Os ditadores agarraram-se que nem lapas ao poder, enquanto viveram ou os deixaram, durante vinte, trinta, quarenta anos.
Ocidentalmente, nesta lusitana praia, embora não seja desprezível o tempo (alguns já levam bem mais de uma dúzia de anos), preferem perpetuar as políticas, mudando sempre que necessário de actores.
Nas ditaduras, reprime-se, mata-se, prende-se .
Ocidentalmente, neutraliza-se, cerca-se económica e socialmente, amedronta-se. Ah… e também se prende, também se dão umas boas pauladas, também se produzem sentenças amedrontadoras para a liberdade de expressão, delimitam-se os «galinheiros» onde podemos protestar.
Nas ditaduras semeiam a fome e cultivam a opulência dos agentes do regime.
Ocidentalmente, choram lágrimas de crocodilo pelos pobres e indigentes que as politicas que praticam, produzem aos milhões.
Por isso, na essência, existem essenciais concordâncias
.
E como o contrário de essência é o acidente, estes por vezes ocorrem sem que deles se consigam aperceber antecipadamente.

D.E ((depois do escrito). Tudo o que aqui escrevi é legal não é? É que uma pessoa já não sabe.

Correm por aí noticias arrepiantes sobre liberdade de expressão na blogosfera.
E eu não sou dos que uso do anonimato (que tecnicamente todos sabemos não existir) para chamar nomes, difamar e ofender, mas…posso pôr os meus pontos de vista ou não?
Por suspeitar de algumas respostas no sentido do não, vou pois cuidar de cautelas e caldos de galinha nesta ocidental, lusitana e democrática pátria…

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Uma simples pergunta...

Confesso que não me sinto muito seguro para falar do assunto.
Já houve muito boa gente, bem informada, que avisou solenemente, ou mesmo ameaçou severamente, que não se deve falar de tal coisa.
É perigoso falar de tal.
São conhecidos os humores instáveis.
Qualquer coisa os irrita.
Pode ser que hoje, que parece haver uma acalmia breve, não venha grande mal ao mundo se eu falar de tal coisa.
Pode ser.
E eu também só quero fazer uma pergunta.
Uma pergunta muito simples.
Alguém acredita? Alguém acredita mesmo nas tretas que nos vão impingindo sobre a irritabilidade dos mercados?
Repare-se:
Compram a 1 e vendem a sete.
Não pagam impostos sobre os lucros (até parece não terem lucros).
O comprador faz o preço (até sete estamos dispostos a pagar, lembram-se?).
Ninguém conhece os ditos (são simplesmente… os mercados) e por isso não podem ser, nem moral nem criminalmente acusados de usura.
Porque haveriam então de estar zangados os ditos mercados?
Dizem-nos que os irrita a perspectiva de aumento do deficit.
Se não houvesse deficit não precisaríamos de recorrer aos seus serviços nos volumes que os satisfaçam
Dizem-nos que os irrita o aumento da divida externa.
Se assim fosse, de que viveriam então os ditos mercados?
Dizem-nos que os irrita a instabilidade política (temos que ter o orçamento de sócrates, passos e cavaco e temos de ter cavaco).
E depois de desgraçadamente termos tudo isto porque continuam irritados?
Se os irrita a instabilidade porque paga menos o Egipto?
Se os irrita a insegurança porque paga menos a Colômbia?
Não sei se a Bélgica tem divida externa nem sei se recorre a financiamentos externos, mas se sim , nem quero imaginar, coitados, o que vão ter de pagar de juros. É que há mais de seis meses que não consegue formar governo…
Posto isto e na perspectiva de não chatear os mercados digo:

VÂO BUGIAR

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

RODAS PARADAS DE UMA ENGRENAGEM CADUCA

Tão frios como os dias que fazem por estes dias são as noticias, que se expressam quase sempre em números, que se referem às pessoas sem trabalho.
Seiscentos e dezassete mil (números oficiais), duzentos e quarenta e sete mil (desde a crise) mais não sei quantos mil que em período homólogo, sessenta e não sei quantos mil são detentores de um curso superior…
Mas muitos mil são os dias de angústia, de desespero, de sonhos adiados.
Homens, mulheres e sobretudo jovens que iniciam cada dia na permanente esperança de um dia diferente e que o terminam sob a triste amargura de mais um dia falhado.
E ao longo de meses, de anos. Assim é.
«Rodas paradas de uma engrenagem caduca» como escreveu Soeiro.
Até quando? Porquê? É isto inevitável?
A estas acrescentam outras, muitas outras interrogações.
Têm tempo, muito tempo, para interrogar.
E para interrogar acima de tudo a ausência de respostas.
E os dias passam.
E os sonhos adiam-se. Só não se adia o presente.
Adia-se a vida.
Distribuem-se uns flyers no centro comercial, impingem-se tvs por satélite, repõem-se pacotes de farinha nas prateleiras de supermercado, vendem-se seguros a quem se afoga na insegurança.
Arrastam-se. Mais um dia.
Há rendas por pagar.
E contribuições para a segurança social, para o irs, para o IVA por causa de um recibo verde de 30 euros.
E depois ainda há que aturar um energúmeno qualquer que lhes berra: « vão trabalhar malandros» ou enojar-se com a escrita de um escrevedor de jornais pançudo, que esborratou que a culpa da situação é dos direitos laborais e sociais que os seus pais desfrutam.

Para todos os trabalhadores sem trabalho e para todos os que estão em situações laborais vegetativas uma palavra de solidariedade activa.
Não são os meus direitos que vos retiram o trabalho.
Quem vos retira o trabalho são os mesmos que me retiram os direitos.

Encontramo-nos por aí.
Na luta.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

VIVA O AMOR

Enquanto hoje nos impingem berloques vários em forma de coração, bombons afrodisíacos, jantares apimentados, serranos romantismos (sem lua porque está enublado), frases de partir coração, toques de telemóvel de fazer chorar as pedras da calçada, chegam-nos também as noticias, às bancas de jornais e via on-line, que milhares de Italianos - principalmente Italianas, - se manifestaram em muitas cidades, em nome da dignidade da condição humana .
Disseram a Berlusconi que a Itália não se revê nos seus deboches.
Festejaram o amor.
Bela forma de antecipadamente comemorar valentim.
E Berlusconi - essa coisa - terá percebido?
Não creio. Essa «coisa» tem do amor o entendimento que sabemos.
Não fosse a «coisa» tão execrável e até apeteceria dizer:
«Pobre coitado, só comprando pode ter um abraço».
Permitam-me que hoje me sinta Italiano (não querem que sejamos europeus?) e enojado por ter à frente dos destinos deste belo País uma criatura tão miserável.
Visitarei um dia (assim desejo) Roma, Florença, Veneza, Verona…e espero que nesse dia, já não paire sobre o amor (entendido e praticado na sua plenitude,) uma figura tão repugnante.
Viva o amor (não o dos berloques…).

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

AGARRADOS QUE NEM LAPAS

Agarrados do lado de lá

O mediterrâneo, este mar nostrun, espaço de culturas e caminho de tantos povos e em tantos sentidos, tem-nos trazido nos últimos dias, mais que bafejos com que amenizamos os nossos Invernos e que fazem florir as nossas amendoeiras, mais que história e lendas de guerreiros , mais que histórias de encantar lindas mouriscas, mais que mil e uma noites, mas mais que isso, mais esperança.
Mais relatos épicos de povos corajosos que se levantam e que procuram assumir a dignidade roubada
Mas não estão fáceis as coisas. Nunca é fácil.
Os facínoras não largam os seus descomunais privilégios.
E enquanto ceifam mais vidas, vão hipocritamente lamentando e descaradamente afirmando que sem eles será o caos. Canalhas, o caos são eles que o semeiam.

Agarrados do lado de cá

Recuemos só um pouco.
Um pouquinho mesmo. Há pouco clamavam: «Sem orçamento é o caos» e logo de seguida, depois de apelos, choros, rezas, intervenções externas e até divinas, eis o orçamento aprovado.
Logo de seguida. Porque ganhar votos era preciso, afinal havia outras soluções. O orçamento é um mau orçamento.
Em plenas eleições. Não pode haver segunda volta porque o país não aguenta, a crise e coisa e tal…os juros da dívida vão subir e coisa e tal…
Não houve segunda volta e os juros da divida e coisa e tal estão como nunca se tinham visto.
Agora o país não aguenta um mês de indefinições - por causa de uma anunciada moção de censura - outra vez e coisa e tal.

Porque cá e lá, quem não aguenta mais é o povo que é vitima.
O que falam os senhores de lá e de cá não é do povo mas da necessidade absoluta de garantirem os seus privilégios.
Mesmo que à custa do sofrimento, da fome, da miséria e da vida do povo de que falsamente falam.

Pois que sobre as águas do mediterrâneo e extravasando todos os estreitos e usando todos os canais corra uma barcaça de esperança e que transporte para todo o mundo a semente da liberdade e da dignidade dos homens.

Uma saudação aos povos em luta

DE (depois do escrito)
e uma manifestação de apreço pelo trabalho do jornalista Paulo Moura. Tem-me ajudado a acreditar que ainda há jornalistas. (Tinha planeado escrever sobre a diferença entre um Jornalista e um escrevedor de papo cheio e tinha pensado em dois interpretes para essas duas situações - Paulo Moura na primeira, José Manuel Fernandes na segunda) mas razões várias não o permitiram.
Fica pelo menos a intenção com este DE.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Que bem que nos fica

Os meus filhos continuam sem emprego.
Vão arranjando uns biscates, antes ao mês, agora ao dia e amanhã à hora.
Uma prima, tem que vir à cidade fazer tratamentos.
Antes tinha o transporte pago.
Agora pague-o do seu bolso.
Um amigo foi internado de urgência.
Ao terceiro dia a factura de taxas moderadoras já estava bem pouco moderada.
A gasolina só sobe no preço…
Porque no depósito baixa.
O IVA leva-nos o que já não tínhamos.
O meu salário foi cortado em quase 80 euros mensais.
As promoções ou progressões nas carreiras passaram a miragem.
Agora que até já somos avaliados…
Cortam nas prestações sociais.
Acabam com o abono de família.
Desumanizam ainda mais as pensões.
Mas.
Temos que condescender.
Afinal no Governo está o PS.
Um Partido de Esquerda.
E assim sendo.
Compreendemos que Vitalino o Canas
Escandalizado afirme: «O PCP sempre se disponibilizou para tentar derrubar Governos PS».
É mesmo uma coisa de puro sectarismo não é?
O PCP querer derrubar um Governo destes!!!
Sinceramente.
Fica-nos tão bem esta sensação de sabermos que somos lixados por um Governo que é do PS e que este se afirma de esquerda.
Fica-nos mesmo bem.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ai o poder, o poder…

Todo o poder emana do povo, dizem e determinam vários textos constitucionais. Este principio concentra em si, a própria génese da democracia (poder do povo).
Se abordarmos o conceito exclusivamente na perspectiva democrática «clássica» verificamos que acedem ao poder o indivíduo ou os indivíduos, integrados em organizações ou meramente a título individual, que são merecedores da confiança expressa (normalmente através do voto) dos seus pares.
Noutras situações, em que não é menos legítima a origem, o poder advêm da confiança expressa nas ruas, aos líderes que se destacam em processos revolucionários de tomada do «poder».
A Revolução Portuguesa é disso um bom exemplo.
Independentemente de algumas excepções e aceitando que ele não se cinge ao «clássico campo democrático» ocidentalizado, é correcto considerar como geral esse principio: todo o poder provêm do povo.
Mais difícil é encontrar a mesma aceitação teórica para os processos pós emanação.
Depois de transmitido pelo povo, o poder, a forma do seu exercício , o tempo do seu uso e os fins que lhe dão, origina as mais variadas e complexas situações.
Não poucas vezes a história nos mostrou que no exercício dos poderes emanados pelo povo, este vê os seus direitos postos em causa e mesmo violentamente sonegados.
Em outros casos, pessoas e organizações, com importantes participações em processos de regulação do exercício da emanação do poder, acabam por, aceitando-o, o usar como coisa sua.
É voz corrente dizer-se que todo o poder corrompe. A ser assim e assim o parece, conforme for a sua natureza assim será o efeito.
Estas notas que já vão longas , surgiram da abordagem às situações de que vamos tomando conhecimento, com destaque para a Tunísia e para o Egipto.
O povo está na rua para exigir o retorno do poder das mãos a quem o entregou e que dele se apoderou como coisa sua.
Que fez dele instrumento de opressão. Que com o seu uso, causou carências e misérias à generalidade do povo .
E está difícil essa recuperação.
Os ditadores não largam facilmente os seus privilégios.
Chegam mesmo a ser patéticas (não fora o caso de serem trágicas) as formas como se agarram.
«Eu prometo não voltar a candidatar-me» Diz um, em estado de completo desespero.
Candidatar-se?
O povo está na rua a dizer para ele se ir.
E, neste processo de reaver o que é seu, na Tunísia e no Egipto, centenas de pessoas já perderam as vidas.
Quantos já terão morrido hoje?
Que estas lutas e as tragédias a elas associadas possam ao menos contribuir para que o povo (os povos de todo o mundo) aprendam a fazer melhor uso na concessão do poder e principalmente uma mais apertada e eficaz fiscalização do uso que dele passe a ser feito.
Mas que no imediato, tragam finalmente a paz e o bem estar para os povos em luta.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Homem bicho ou bicho homem?

Esta é uma dicotomia presente há muito.
Rousseaau dedicou-lhe especial atenção e tem em torno da mesma, pensamentos mundialmente difundidos, citados e em torno dos quais se travam ainda importantes reflexões académicas.
É o homem naturalmente bom e é a vida social que o corrompe e o torna num homem mau, ou é precisamente o contrario, ou seja, o homem nasce mau e a vida em sociedade vai torná-lo bom?
Numa fase de maior azedume seremos tentados em concluir que o homem é mau, é bicho de si mesmo, independentemente de procurar saber se é a natureza ou a sociedade que têm a primazia nesse processo.
E percorremos a memória e o presente e assim obtemos um infindável rol de atrocidades cometidas pelo homem. Conseguimos mesmo, num processo de simbiose pictórica, definir contornos, imaginar a figura do «bicho».
Noutros momentos, de maior doçura, vemos o lado bom de tantos homens e mulheres, no passado e no presente, fazendo das suas vidas exemplos estóicos de entrega aos valores mais nobres da condição humana.
Uma pessoa amiga, arremataria: «Há gente boa e gente má em todo o lado».
E é neste «enleio» que encontro de novo em Rousseau o pensamento que pode ajudar. Disse-nos que, e passo a citar: «É demasiado difícil pensar com nobreza quando pensamos apenas em ganhar a vida».
Talvez na constatação e na aceitação deste pensamento se encontrem as respostas que por vezes procuramos.
Talvez aqui se perceba o porquê. Talvez a explicação esteja na capacidade diferenciada que exista nos homens e que permite a uns a capacidade de superar as dificuldades (dignificando-os) e em outros a fraqueza e a submissão (escravizando-os).
Porque hoje estou «Roussiniano», cito de novo: «A força fez os primeiros escravos. A sua cobardia perpetuou-os».
Ao ver o que se passa hoje, em Portugal e em tantas outras partes do mundo, em que o cenário não será muito diferente, constatamos que muitas cobardias estão a escravizar-nos.
Serão os homens capazes, terão força suficiente para olhar o mundo com mais nobreza?
Terão os homens força bastante para evitar a escravidão com que nos aguilhotinam de novo?
Quero pensar que sim?
Mas às vezes parece que não.