Smart Cities
Podem-se acrescentar outras definições.
Em inglês, como convém para dar um ar, digamos…erudito.
Podemos falar de cidades sustentáveis. Verdes. Ecológicas.
Inclusivas.
Mas permita-se um comentário menos in.
As cidades, que deveriam ser gente, têm sido construção e
automóveis.
Falamos muito de mobilidades suaves e descarbonizadas e
desprezamos a mais suave e descarbonizada delas, andar a pé.
Permitam-me uma pequena novela:
Faço o percurso entre casa e o emprego a pé.
Num terço do trajeto o passeio tem a largura do lancil e
espaço para um dos pés.
No outro terço, o passeio já é mais largo e por isso está
pejado de automóveis que forçam a minha mobilidade pela via que lhes é
reservada.
O piso dos passeios, onde há passeios com piso, é irregular
e de pedras bicudas.
No piso (macio e liso) para os automóveis, onde tenho que
seguir no terço do trajeto como disse, quando chove faz-se um lençol de água
que em chuvadas mais intensas chega a ter a altura do lancil.
Escusado é dizer o estado em que fico.
Escaldado…queria escrever molhado, opto por me proteger
colocando entre mim e as ondas de água projetada, o guarda-chuva, levando com a
que cai do céu.
No trajeto, acabado o primeiro terço – o melhorzinho dos
três em que dividi esta novela – atravesso uma bifurcação (?) e tenho de me
munir de todos os cuidados. A visibilidade é nula e as velocidades altíssimas.
Há um sinal limitador de velocidade – 30 kms mas creio que se esqueceram do 1 à
esquerda do 3.
Atravesso mais duas vias que entroncam na via principal onde
sigo. Numa, não tenho problemas, mas na outra que é um acesso a uma escola de
gente com dinheiro para pôr lá os meninos e as meninas e para comprar grandes
bólides, é correr para não ser passado a ferro.
E resmungam-me. Já dei por mim a pensar se um dia tenho uma
cãibra a meio…ui…
Depois desta destemida e aventurosa travessia, tenho pela
frente um passeio largo, qual oásis, que circunda um grande e moderno edifício
sede de serviços públicos onde funcionam os serviços de planeamento e ordenamento
do território.
Este largo passeio, já protegido em escassos metros por
pilaretes metálicos, é, para mal dos meus pecados e dos meus companheiros de
infortúnio, zona de estacionamento em massa e de atravessamento para
estacionamento improvisado nas traseiras do edifício, para funcionários e
utentes (e os utentes, por vezes, têm fardas e carros com pirilampos e dísticos
de psp e gnr)
Garanto que se houvesse ao longo do percurso um banquinho
para descansar, chegado aqui ou passado daqui, me sentaria a descansar um
pouco. Se houvesse uma sombra…se houvesse um bebedouro…
Finalmente, estou na cidade velha. Aqui não se pode
construir de forma moderna nem abrir vias modernas (para automóveis), cirando
por entre pessoas por debaixo dos arcos. Até pode chover…o sol até pode estar
impiedoso…
Aqui é a cidade velha.
Não havia, no tempo velho em que a construíram, smart
cities.
A propósito, ou não, expresso aqui a esperança, que um dia,
os que pensam as cidades, pensem que elas também são para as pessoas.
Parece-me.
E que andar a pé pode não ser piroso e de pobrezinho.