segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Matarruanices…

025

Curvado sobre si e com a cabeça enfiada entre as páginas do correio da manhã, o matarruano disse para o da mesa do lado: «há por aí 3 milhões de hectares de terra que ninguém quer trabalhar e depois vem falar do desemprego?!».

Outro, de calibre igual, berrava há dias: «quer a gente um homem para carregar fardos e não encontra...» como se os homens, com tantos outros “fardos” para carregar, pudessem estar ali esperando, para que a besta tivesse um homem para quando precisasse de carregar os fardos.

Dêmos de desbarato os três milhões de hectares e disparatadas berrarias e esqueçamos rapidamente os matarruanos.

Mas dada a enormidade dos disparates, vale a pena uma olhadela, uma pequena olhadela tendo a terra como tema.

Olhemos para os milhares de hectares de terras sem atividade agrícola – prefiro esta definição à usual «terras abandonadas» ou até mesmo «terras improdutivas» que vemos como enormes interstícios entre os aglomerados urbanos do Alentejo.

E percorremos quilómetros ladeados de cercas, de arame farpado, de arame quadriculado com fiada de farpado no topo, de arame eletrizado, letradas a espaços curtos com dísticos ameaçadores.

Estes são os investimentos visíveis dos dinheiros públicos das pac(s) que financiamos. Estes e os jeeps topo de gama que percorrem as terras dos vastos impérios dos pequenos (mas inchados senhores).

E se afirmei preferir a definição de terras sem atividade agrícola é porque entendo ser a melhor definição.

Porque estas terras, mesmo assim, são produtivas. Produzem cortiça, bolota, azeitonas que só alimentam tordos e estorninhos, pastos, alimentam coelhos, rolas, perdizes, lebres. Nelas vegetam cardos ou cagarrinhos, túberas, espargos bravos, cogumelos vários. Não lhes chamem por isso, terras improdutivas. Não ofendam a terra.

E não lhes chamem abandonadas. Quanto muito, isoladas e destituídas, por força das cercas e do latifúndio, do cumprimento da sua função social.

Porque de abandonadas não têm nada.E aqui podemos ofender os tiranos que a aprisionam com cercas da mesma forma que querem aprisionar as gentes (como antes faziam) para terem sempre homens para lhe carregarem os fardos.

O pomposo espargo que merece realce de modelo na fotografia acima, teimou em passar a cerca, como procurando liberdade  fora desta, não resisti.

Ei-lo com direito à deferência dos que buscam a liberdade.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Carta a um amigo

 

A coisa por aqui tresanda meu caro amigo.

O bafio tomou conta das ruas e praças.

Sim, daquelas mesmas praças e ruas que percorremos naquele Abril e que eram então prenhes com cheiro a cravos e a liberdade.

Parece mentira não é?

Quem diria que tal seria possível?

Mas eis que voltou. Voltaram.

E voltaram descarados e arrogantes como antes.

Tramam-nos a vida, odeiam tudo o que cheira a direitos de quem trabalha.

Vão-se ao nosso salário como gatos a bofes.

Foram vindo de mansinho...falavam de coisas novas, que era preciso adaptarmos-nos ao mundo global. Transpiravam competência e seriedade.

Evidentemente que foram tendo ajudinhas, os troca tintas de sempre colocaram-lhes os tapetes por onde agora passam com as suas botifarras sujas.

E o novo, virou velho.

Uma dama naftalitica começou por defender a suspensão da democracia, outros falam de ajustes (de contas). O velho chefe destes velhos regressados, com o descaramento que lhe julga permitido, ofende todos os que sobrevivem às suas desgraçadas medidas, afirmando ser pouco a exorbitância que ganha.

Vê tu o descaramento: diz que não lhe chega a reformazita de 10 mil.

E tantos que se arrastam com reformas de 400 lhe deram o seu voto ainda nem há um ano...

Coitados... juntaram agora à miséria, mais esta dor da humilhação.

Nos jornais e nas televisões (sabes que agora temos uma catrefada de canais...) é um corrupio dos arautos da situação. Adoram títulos (professor, é o mais apetecível – sabes...dá credibilidade) e por vezes utilizam uma linguagem mais desabrida (folclórica) para fazer poeira e «amansar».

Um dia destes dei com eles a falar do teu país, uma ditadura assumem todos a uma só voz.

Sim, ditadura, dizem eles.

Porque por aqui, só suspendemos a democracia e estamos ao momento a fazer ajustes (de contas com as conquistas democráticas).

Mas a democracia vai continuar.

Quando houver oportunidade para isso...

Adeus amigo...olha aguenta-te por aí (estranho que ainda não te tivesses queixado – parecia-me mesmo que estavas feliz) que nós por aqui vamo-nos esforçando para interromper a suspensão...

Espero por ti...

Talvez em Abril e com cheiros de primavera e liberdade

Nas nossas praças e ruas deste bonito país, quando o sol rompe o nevoeiro e dá para o desfrutar com clareza.

Adeus...até esse dia.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

As partes da coisa

 

«Acordo tripartido torna mais fácil e mais barato despedir e reduzir indemnizações, subsídios, férias e feriados».(Subtítulo do título: Desconcertados, da 1ª página do Público de hoje, 18.01.12).

Como subtítulo desta minha nota:

Desorientados.

E desorientados porque ou noticiam acordo ou noticiam desconcerto.
Mas percebe-se a desorientação.
Como é possível falar de acordo tripartido, quando a coisa é constituída só por uma parte?

Nessa parte, juntam-se:
Os interesses dos que falam em nome dos empresários e que representam na prática os interesses dos grandes empresários sem escrúpulos e que não olham a meios para atingir fins, mesmo que tal passe pela prática de trabalho escravo.

Os interesses dos que foram formados e escolhidos para no Governo, defenderem os interesses destes.

Os que foram formados para servir de fachada aos interesses referidos.

E esta foi a parte que juntinha, sorridente e provocadora  assinou 

tri(re)partidamente o desconcerto.

Para a outra parte - os trabalhadores portugueses (todos) - fica o menosprezo pela dimensão humana e social que deveria estar associado ao trabalho.

Como sugestão para título do «Público»:

Conluio imposto a tridente, torna mais fácil e mais barato despedir e

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

De volta?

 

Anunciou-se errante e errante tem sido.
Ponderei mesmo, dar a coisa por terminada, mas achei que talvez não fosse o momento apropriado: alguns julgariam tal atitude como abandono ou resignação e estas são atitudes que não partilho.
Mas, na introspecção feita, conclui (entre outras), que a causa para esta ausência também se deve à profusão de «aberrações» com que temos sido presenteados.
O «espojinho» vai continuar - até ver - e vai de certo, cada vez mais, refletir o desencanto crescente que sinto  sobre a evolução da condição humana (entendida esta no seu enquadramento biológico).
Como manifestação de interesse, explico que não entendo evolução numa perspectiva progressiva e entendo que da adaptação resultante da evolução podem resultar caracteres de comportamento que se situem em estádios mais atrasados.
A não ser assim - e que bom será se não o for - como explicar o regresso a padrões de comportamento que se aproximam dos primitivos  tipos: «salve-se quem puder?»
Dirão os «progressivos» que  é a consequência e não atitude assumida, já que é para aí que nos empurram.
Direi eu que sou «regressista»: e porque não reagimos contra quem nos empurra? Porque não derrubamos as barreiras que nos conduzem às celas?
Pela mesma razão que um homem, um cão e um cajado, conseguem disciplinar e apascentar tranquilamente uma manada.
Eu sei…eu sei… que há quem assim não procede, ai de nós se assim não fosse. Ovelhas negras, diz-se por aqui.
Mas olhemos para o cenário seguinte:
“Andam agora danados porque lhe vão tirar os subsídios. Quem me dera a mim que também mos tirassem, eu nem salário tenho” - Na barbearia, escutado de um jovem.
“Subsidio de inserção? Ponham-nos mas é a trabalhar…” - Na rua, escutado de uma senhora de aspecto e roupas miseráveis.
“Desempregados? Eles não querem mas é trabalhar, ouvido de um senhor com uma farda de segurança à porta de uma repartição pública.
E o relato poderia continuar infinitamente.
Expressões da miséria humana, dirão os «progressivos».
E que dimensão tem hoje a miséria humana?
As sondagens dizem que PSD e CDS continuariam com maioria absoluta.
Manuela Ferreira Leite - sem pestanejar - defende que os com mais de 70 se precisarem de hemodiálise que a paguem.
Os patrões e o seu ministro querem dispor dos trabalhadores como escravos.
Estranhamos?
As bestas sentem o rebanho a caminhar docilmente para o redil…
Claro que há quem vá derrubando baias…
Ovelhas negras.