segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

«Contaram-me uma vez…»

Há mil maneiras, tal como o número das receitas de bacalhau, de começar a contar um conto ou uma pequena estória.

Nunca percebi, porque não, novecentos e noventa e nove, ou mil e cinco, mas essa é outra «estória».

E assim sendo,ou seja, começando assim, começo pela forma clássica: «era uma vez», fazendo uma pequena adaptação, para: «contaram-me uma vez».
Então, contaram-me uma vez, que há uns anos, não muitos, numa aldeia situada próximo do Guadiana - este grande  rio do sul cujas águas retiveram ali para os lados de Alqueva - um pastor de cabras criou um grande alvoroço um dia, lá na aldeia.
Estou mesmo em crer que o episódio se passa na aldeia de Alqueva, mas isso já não posso garantir.
Sei que posso acrescentar um ponto, mas não quero acrescentar este.
Voltando. Foi tão grande esse alvoroço, que ainda hoje perduram  vivos na memória de todos , os seus rocambolescos episódios.
Farto de subir e descer montes atrás das cabras e tendo uma prodigiosa capacidade para inventar estórias - de tal forma que ele até já julgava que o seu nome era Eh Lá - o pastor resolveu numa manhã quente de verão correr esbaforido para a aldeia a gritar que havia caído um avião, lá em baixo junto ao rio.
Antes que a coisa  se desenquadre, explique-se a questão do «Eh Lá». Esta era a expressão que todos faziam sempre que o pastor começava nas suas delirantes criatividades. Tipo: «vi hoje uma cobra que media prá aí …» Eh Lá.
De tal forma que já se dizia, quando se aproximava: «vem aí o Eh Lá»
Mas o Eh Lá naquela manhã foi muito convincente. Transpirava por todos os poros e apresentava um semblante verdadeiramente transtornado. E foi gritando de rua em rua entrando na venda e nas tabernas: «caiu um avião , lá em baixo no rio».
Até o padre especou.
E as pessoas  começaram a formar pequenos grupos e a deslocarem-se para o rio. Podia ser preciso fazer alguma coisa por alguém, coitados.
O pastor ainda correu e gritou mais um pouco, mas parou quando reparou que já não via ninguém nas ruas.
Estranhando, interrogou-se : «Querem ver que foi verdade!» E ala que pôs os pés ao caminho direito ao rio, para verificar.
Lembrei-me desta estória contada, quando agora dou por mim a assistir a uma profusão de criminosas medidas contra os direitos e a dignidade dos trabalhadores e constato que os «Eh Lá» que estão no Governo, dizem candidamente: «Foi uma medida difícil, mas necessária».
Difícil foi sem dúvida, mas para quem sofre as suas consequências, não para quem a tomou.
Necessária, certamente, mas para quem ela se destina a beneficiar e não para os trabalhadores e para o país.
Será que algum dia daremos por um destes «Eh lá» a interrogar-se: «Querem ver que é verdade?!».
Estou em crer que não, porque estes sabem e tem consciência das mentiras que pregam, enquanto o pobre diabo do pastor andava simplesmente entediado com a vida que levava…

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