sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Ubiquidade

Depois de almoço tento aproveitar uns breves instantes antes de voltar para o emprego.
Vou para a sala.
Antes de me sentar, desligo o rádio (ele lá estava).
Ligo a televisão e ei-lo, ele ali está.
Desligo.
Levanto-me e vou embora.
Tem sido assim, com uma enorme frequência.
Ele surge.
Eu desligo.
Confesso que neste campeonato, tenho perdido quase sempre.
Se salto da um, para a dois, ele parece acompanhar. Se mudo entre radio e televisão, ele faz o mesmo.
Ganho pontos quando se trata de internet ou jornal impresso, mas ganho por pouco. Globalmente perco e por muito.
Mas mesmo perdendo, insisto,
Sempre que ele surge, desligo.
Eu tenho direito à minha intimidade.
O homem, frenético, está em todo o lado. Principalmente onde haja desgraça. Parece um repórter de sensacionalismos.
Nós sabemos o quanto se sente chocado.
Nós também nos sentimos.
Sabemos que a dor é muita e que lhe compete dar uma palavra de conforto.
Nós também sentimos dor e procuramos dar o conforto possível.
Mas há muitas dores e muitos desconfortos a afetar muitos portugueses.
Vai ele usar de igual tratamento?
Por muito frenético que seja, não pode, nem lhe exigimos.
Perante a dor, as perdas, muitas, sendo a de vidas humanas irreparáveis, para além do conforto, do abraço e das palavras amigas é preciso agir já.
E agir já não é só apontar o dedo, mas usar todos os dedos para contribuir para encontrar soluções.
A alguns, parece sobrar o tempo para apontar o dedo e faltar-lhe para agir.
Outros, anónimos, vão arranjando tempo para agir.
Gostei de saber que agricultores alentejanos (a braços com uma seca terrível) reúnem fardos de palha (que lhes podem vir a faltar para alimentar o seu gado) e enviam para onde não há agora nada para dar de comer ao gado.
Gostei de saber que os pescadores de sardinha (a quem querem tirar o direito ao trabalho) enviaram para as zonas afetadas uma tonelada desses peixes.
Gostei de saber das ações da Cruz Vermelha Portuguesa que reúnem alimentos.
Dos médicos que desconvocaram a greve.
Estes (e muitos outros) são os confortos que devem ser dados de imediato após os confortos e as palavras de consolação.

O dedo deve apontar agora nessa direção.

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