domingo, 11 de agosto de 2013

Carta a uns amigos que estão longe

 

Era uma coisa  muito em uso, antigamente.
Escrever cartas.


Escreviam-se cartas aos filhos emigrados. Aos filhos no ultramar. Aos filhos, em Portugal, mas distantes.

Sim, porque as distancias dentro deste pequeno país eram então muito grandes e só as cartas, trocadas de quando em vez, as atenuavam.


Havia até uma trágica simbologia nos envelopes que encerravam as cartas.
Dois traços negros sobre o canto inferior esquerdo e tal significava luto.
Por avião, marcas azuis e vermelhas e tal significava distância e ansiedade.
Quase sempre destinadas a filhos e namorados em África em guerra.
Morrendo sem chegar a saber por quê, matando, sem saber como.
Cartas.


Os melhores escrevedores de cartas eram os gaiatos e gaiatas fresquinhos de saber escrever.
Sabiam e não interrogavam.
Não sabiam interrogar.
Nem se viviam então tempos propícios às interrogações.
Simplesmente escreviam o que lhe ditavam as velhas mães que não sabiam escrever.

Às vezes, por entre as palavras escritas, partilhava-se um pouco da solidariedade dos que nada tinham.

Uma nota de vinte para matar saudades e para transferir fomes ligeiramente saciadas.


Salvaguardando episódios recentes, as cartas caíram em desuso.
De tal forma que alguns, associam agora ao termo, as  cartas de naipes dos jogos on line em que se entretêm.


As cartas, como forma de comunicar, de matar saudades, de dar notícias, já quase não se usam.


Pomos no facebook  ( quem põe) as fotos e umas baboseiras, enviamos em linguagem encriptada uns sms, mas já não escrevemos cartas.
Pois, teimoso como sou, decidi hoje escrever esta carta.
Dirigida a vocês, meus amigos que estão longe.
Dantes, começavam assim: «antes de mais, espero que esta minha carta vos encontre de saúde junto daqueles que mais querem».
Por aqui, o verão manda-nos mais um sinal do seu carácter. Ou é ou não é. Verão é quente e seco. Por aqui é verão.
Sei que não é por aí.
Pudesse eu e enviaria nesta carta um pouco deste verão daqui.
E vocês retribuiriam, eu sei,
Para além do calor e da merda de governo, parece que nada mais acontece.
Muito fogo de artifício. Swaps. Falcatruas ao mais alto nível ainda do BPN.
Portas que saem e ficam.
Secretários que vendiam o que agora se preparavam para renegar.
Um país que parece que foi para férias e não foi.
Um país onde se continua a brincar com os números e onde se diz, sem se corar, que baixou o desemprego.
Um país que se prepara para autárquicas  e onde os governantes se estão cagando para os votos.

Também nos despedimos há pouco de um Homem que não sei se chegaram a conhecer.

Urbano Tavares Rodrigues.

Alentejano. Escritor. Comunista.

Despedimos-nos do Homem mas fica-nos a obra e o gosto sabor de poder dela desfrutar.


É este o país do qual vos quis escrever esta carta.
Eis então que assim segue.
Mas vós sabeis que também é o país onde ainda  florescem cravos de Abril.
Mesmo que em Agosto.
Ou Setembro.
Talvez estejam mais vermelhos em Setembro próximo.
Esperemos.
E, por outro lado e apesar de tudo.
Mesmo apesar de tudo.
Em setembro, temos a festa.


A do Avante, claro.
Um abraço

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