terça-feira, 7 de abril de 2015

Escalracho


Sentam-se à mesa do café bem cedo. Por vezes bebem uma bica. Outras vezes (muitas), nada bebem.
Mas sentam-se.
Pedem em voz alta e firme o jornal. Resmungam se este lhe tarda.
Discursam em voz alta. Senhores do mundo (assim se sentem).
Concordam entre si que agora ninguém quer trabalhar. Todos são uma cambada de malandros. E os que trabalham, entram apressados, pedem uma bica que bebem à pressa, de pé, ao balcão.
E ouvem-nos e não lhes ligam.
E eles olham basbaques para tudo o que é mulher que entra. Comentam-nas  entre si como se estivessem a falar de borregas.
Por vezes, um ou outro ausenta-se. Tem que entregar na Direção Regional de Agricultura mais uma porcaria de um papel. Uma declaração sob compromisso de honra em como não semearam trigo, este ano.
O subsídio, esse vai direitinho à conta.
Não demora. Volta, porque o almoço ainda tarda.
Depois da sesta irá ao seu aramado ver as vacas. Pastam sozinhas no seu campo de concentração.
Umas bezerras já estão capazes de venda.
Para, desce-se, abre uma cancela, entra no jeep, anda um pouco, desce-se para fechar a cancela, volta a subir para o jeep (que trabalheira – se ao menos houvesse no centro de emprego um desempregado que lhe mandassem para ali para lhe abrir e fechar as cancelas – mas não, agora ninguém quer trabalhar – é tudo uma cambada de malandros). De novo no jeep sobe até ao monte. A chaminé caiu durante a noite (foi forte o temporal). O telhado da cavalariça acabou por abater. As silvas cada vez mais sufocam as paredes.
Faz inversão de marcha (não chegou a sair do jeep) desce-se, abre a cancela, entra no jeep, anda um pouco, desce-se, fecha a cancela, volta a entrar no jeep, avança.
Ainda vai passar pelo café. Vai ter com os colegas.
Ainda é cedo para o jantar.
Quando chegar a hora deste ele estará fumegante na mesa.
Foi a mulher que o fez e é a mulher que o serve.
Antes, a mulher, era a sua primeira criada, a governanta, Agora, mantém só o estatuto de criada. Já ninguém quer trabalhar e ele já não consegue arranjar criadas.
Para trás ficaram os seus campos aramados.
Umas dezenas de vacas aprisionadas.
Um monte em ruínas.
Para trás ficaram os campos de um homem de trabalho.
Campos cercados de arames.
Ruinas.
O subsídio, esse vai direitinho para a conta

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