quinta-feira, 22 de abril de 2010

Exercício



Aqui sentado, apreciando a paisagem através deste comboio em movimento, vendo que lá fora chove… de novo a chover, nesta Primavera molhada! proponho um desafio.
Imaginemos Portugal.
Há trinta e seis anos atrás, precisamente a 22 de Abri de 1974.
Uns, podem fazer esse exercício sem recurso à imaginação. Outros terão mesmo que se esforçar, para imaginar.
Não proponho nenhum exercício «negro», vereis que é uma reflexão…
Aos que tais recordações ainda causam dor, peço e sei que obtenho a vossa compreensão.
Dou para já o exemplo e inicio essa tenebrosa viagem de regresso a um tenebroso tempo.
Terei que o fazer na mais completa intimidade. Estamos no tempo em que as paredes têm ouvidos.
Há bufos, pides, policias, lambe botas, graxistas e toda uma sub espécie humana ansiosa por mostrar serviço.
E do seu «serviço» resultam sempre torturas, humilhações, prisões.
Decorre em Africa uma guerra para onde são enviados todos os que tenham mais ou aproximadamente 20 anos, sejam do sexo masculino, andem, mesmo que coxos e vejam, mesmo que míopes.
Nem todos regressam. E muitos, embora regressados estão marcados, física e psicologicamente para sempre.
Dizer ao patrão que acha justo mais salário, significa, no mínimo, despedimento e mais fome a acrescentar em casa.
FOME. Sim Fome, não escassez alimentar. Mas fome dura e cruel.
Uma fome que, no campo, arrastava os homem, durante a noite, para rabiscar azeitona, apanhar pequenas tiras de cortiça caídas durante o carrego. Roubar, berravam os vampiros. E mandavam a GNR espancar, prender, humilhar.
E havia homens e mulheres presos. Sem culpa formada, sem julgamento e sem prazo. Haviam tido a coragem de denunciar, de propor aos outros homens e mulheres que se levantasse e se erguessem contra a tirania e os monstros.
E na prisão eram torturados. E alguns assassinados.
Comunistas. Berravam os vampiros.
Querem pôr em causa a ordem e perturbar a paz no rebanho do senhor.
E a paz e a ordem no rebanho do senhor eram a censura, a repressão, a negação das mais elementares liberdades, a fome, a guerra, as prisões e as torturas.
Dou por terminado o exercício proposto e pergunto:
Os que, de entre nós, por vezes desanimam e afirmam que não há nada a fazer, que não vamos lá, imaginam como se sentiria o seu camarada nas masmorras fascistas a 22 de Abril do ano de 1974?
E no entanto três dias depois eles e todos estavam na rua, em liberdade, a cantar liberdade.
Aos outros. Aos que em determinado momento optaram convenientemente por colocar cravo vermelho na lapela e agoram assobiam para o lado e procuram esquecer, afirmamos a nossa vontade de juntar mais anos ,muitos mais a esta festa permanente da liberdade conquistada, mesmo perante a boçal neutralidade que proclamam.
Aos que estavam e estão do outro lado da barricada, afirmamos: podeis ter recuperado, o susto poderá ter passado, mas não voltaste e não voltareis a ser senhores.
Trinta e seis anos deste saboroso sabor a liberdade, alguns deles de sabor tão intenso, só podem fazer com que estejamos eternamente gratos a quem teve a coragem de iniciar o caminho.
Gratos e responsabilizados. Temos um testemunho para entregar.
Bem hajam.

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