quarta-feira, 14 de abril de 2010

Rebanhos


Iniciada mais uma viagem imaginada, acomodo-me no imaginário banco de comboio e contemplo, vagarosamente a paisagem.
É plana. E agora, nesta Primavera timidamente anunciada, é verde, muito verde.
A sua planura permite que a vista se projecte até a um horizonte que acompanha sempre, com uma distância teimosamente permanente, a minha viagem.
É o caldo natural para a divagação.
Ao longe, por entre o montado avisto um rebanho. De ovelhas brancas, um branco sujo encaracolado, algumas, poucas, são castanhas, poucas crias porque a Páscoa foi recente, um pastor e um cão.
Quantas? Quatrocentas? Quinhentas? Menos?
Mas muitas.
Alinhadas, dóceis, ritmo cadenciado, silenciosas. Algum desalinhamento momentâneo é prontamente resolvido com um simples latido do cão.
Analogias com o comportamento humano são frequentes. A igreja nisso se tem empenhado.
Rebanho e pastor. Adoram.
Adoram e fazem questão que os homens sejam alinhados, dóceis, que sigam a ritmos cadenciados e silenciosos ao som dos seus latidos.
Mas contrariamente ao que avisto no rebanho por entre o montado, no rebanho humano há fome.
Também só avisto, por entre o montado, as personagens que descrevi.
No rebanho humano, avisto alguns, gananciosos que querem para si toda a pastagem.
Por entre o montado, o cão só de vez em quando solta um latido.
No rebanho humano, os cães são da mesma espécie humana e são ferozes.
Porque teima a igreja na analogia?
Porque teima o homem em ser dócil, alinhado, ritmar os seus passos cadenciados por força do rosnar dos cães bestas?
O homem é por natureza um ser livre.
Falta libertar-se.

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